Thursday, July 9, 2015

Quebrado e feliz

Aos 24 anos de idade tudo é aventura. Eu vivia de um salário mínimo como bolsista do Cnpq e uma parca mesada do meu velho pai. Meu plano inicial no começo de 1999 era fazer um mestrado na Fundação Getúlio Vargas ou USP. Juntei-me à base de pesquisa do professor Miguel Moreno na UFRN para melhorar meu curriculum acadêmico (e também para ter acesso ilimitado à Internet, que naquela época pagava-se por minuto discado, qualquer economia valia), ministrei mini-cursos e oficinas, apresentei trabalhos em congressos científicos, onde recebi prêmio de melhor apresentação oral com um trabalho sobre o porto de Natal ser equipado para receber os carros que vinham da Europa e Estados Unidos. É, não é de hoje que se pensa em usar a localização geográfica de Natal para se obter vantagens logísticas. Os americanos já o fizeram na Segunda Guerra e eu tentei fazer em 99.

Os planos de fazer mestrado no Brasil naufragaram quando o nosso líder da base de pesquisa, professor Miguel, anunciou que iria fazer o seu pós doutorado em Montreal, no Canadá, na HEC Montreal, onde a elite de negócios francófona toda passava por seus bancos. Ele perguntou se eu não queria ir fazer meu mestrado lá. Lógico, tudo por minha conta. Cheguei em casa animado, meu pai não ficou, estava em condições financeiras precárias na época, mas depois cedeu. Os guias espirituais dele devem ter aconselhado: manda teu menino embora, isso aqui só vai piorar!!! Arranjei dinheiro com um, arranjei dinheiro com outro, pra visto, passaporte, passagem (Obrigado Teco, Gagau e Alberto) e fui embora pra Montreal nos últimos dias de 1999, carregando 220 dolares no bolso e muita coragem.

A passagem havia sido 700 dólares na STB de Maninho. Gustavo Zumel, meu comparsa de UFRN veio também com os mesmos planos. Vendi até uma mortalha que havia comprado pro Carnatal, estava mesmo focado. Vínhamos pra tentar aprender um pouco de francês, curso de três meses, que custou outros 1600 dolares a menos nas já combalidas finanças de Jajá. Com o diploma desse curso, a aceitação no mestrado era mais fácil. Ou seja, esse investimento todo inicial não era garantia de nada, pois se a universidade não nos aceitasse, seria em vão tanto sacrifício. O que aconteceu com Zumel. Eu fui aceito, ele não, o que diminuiu muito minha motivação.

Em quatro dias em Montreal, pagando o táxi do aeroporto, hotel e alimentação, meu dinheiro acabou. Papai se virou e arrumou mais um pouco e no décimo dia, depois de muita confusão, conseguimos uma hospedagem em uma casa da Igreja Católica, com o padre Pierre, que dava um quarto individual e três refeições e lanches, tudo por 300 dolares mensais. Almoçava numa pizzaria onde duas fatias e uma Coca-Cola custava 5 dolares. O dono, um romeno da cabeça raspada, todo dia ria porque eu misturava ketchup e maionese na pizza. O passe mensal do metrô custava 45 dolares. Eu não almoçava na casa do padre, pois demoraria ir e voltar e o curso de francês era intensivo, o dia inteiro socado na Universidade de Montreal. Restaurante e saída à noite nem pensar. No máximo, uma caixa de seis cervejas, que custava 9 dolares, pra beber em casa ou na casa de algum amigo do curso. Parece duro, bem duro. E é. O liseu é desmoralizante. Inclusive descobri muitos anos depois que os conceitos sobre riqueza são flutuantes. Naquela época, rico pra mim era quem frequentava restaurantes.

Mas, entre estar liso em Natal, no calor, tinha mais graça pra mim estar liso em Montreal, no frio e de casaco emprestado de Gustavo Sousa, da época em que ele morava no Arkansas. Não ter que escutar o forró, sertanejo e axé era também um plus. Alguns professores da UFRN apoiaram meu projeto e aliviaram nas faltas (obrigado Cassio Barreto, Julio Resende, José Arimates), mas outros atrapalharam e muito. Não citarei nomes pois sou um menino que não guarda mágoas por mais de três anos. Nos formamos em agosto de 2000. Ainda liso, e devendo, não me inscrevi nos festejos de formatura.

Daniel Pinheiro, organizador, disse que era pra eu ir mesmo assim. Não fui.

Esse período inicial de três meses em Montreal me trouxe quatro conceitos que ficaram pra sempre na minha personalidade, que não tem dinheiro que pague. 1) - Aprendi firmemente o conceito de pontualidade e principalmente, 2) A idéia de que causa e consequência realmente funciona em lugares sérios. Mas, mais importante, 3) - Aprendi que se você correr atrás, as coisas começam a acontecer mesmo sendo demais pra você acreditar!! Por fim, 4) - O gosto da falta de independência financeira é muito amargo e as vezes por isso nossa história pode ser bem diferente. Os ricos da classe de francês iam esquiar, iam pra teatro, cinema, restaurantes, alugavam carros, ou seja, tiveram uma experiência muito diferente da minha. Mas eu tinha uma coisa que poucos tinham, uma vontade de vencer muito grande e isso poderia fazer uma diferença no final, afinal a corrida não termina no meio.