Wednesday, October 26, 2016

O topo da América – 10

Chegamos em Newark completamente embriagados. Eu estava de fato tonto. Como não tínhamos o visto americano, um guarda veio nos buscar dentro da aeronave pra que ficássemos presos numa salinha, esperando até a hora da conexão sair pra Montreal. Naquela época esse procedimento era permitido. E o guarda chegou e a gente só fazia rir. O cara ficou puto e foi nos levando sem dar uma palavra. Ficamos nessa sala por pouco tempo e depois mandaram uma jovem senhora nos levar pro avião.

Zumel ainda embriagado, começou a fazer comentários jocosos com relação a menina. Bêbado, ele nem percebia o tamanho das besteiras que dizía. Ela andava na nossa frente e de vez em quando olhava pra trás e sorria. E isso continuou enquanto atravessávamos o gigantesco aeroporto de Newark. Quando chegou no portão de embarque, ela nos entregou ao oficial da companhia e ao se despedir, disse, em bom português de Portugal: “Muito prazer, meu nome é Teresa. Tenham uma boa viagem”. Foi o primeiro mico continental que passamos. Muitos outros ainda viriam.

Fizemos um vôo tranquilo e chegamos em Montréal na hora marcada. Depois de passarmos pela alfândega e imigração, paramos no saguão do aeroporto, perto da saída. A porta se abriu e entrou aquele vento frio do rigoroso inverno canadense. Foi quando demos conta da merda em que estávamos metidos. Não tínhamos pra onde ir. Nem a menor ideia. Foi quando me lembrei que tinha anotado o telefone do professor Allan Jolly, amigo de Miguel Anez, aquele que havia feito seu curso de doutorado na Fundação Getulio Vargas e que falava um pouco de português.

Dei a tarefa pra Zumel ligar pra ele, na ilusão de que Jolly iria nos pegar no aeroporto e nos levar pra sua casa. No chance. Ele disse estar longe pois era noite de reveillon e que não iria poder nos ajudar naquele momento e recomendou um hotel barato, situado na rua Côte-des-neiges, chamado Hotel Terrace Royale. Saímos do aeroporto e deleguei a Zumel também a tarefa de falar com o taxista e dar o endereço do tal hotel. O mesmo nos levou pra lá, debaixo de uma nevasca impressionante.

A primeira imagem que tive de Montréal e que fica na minha memória até hoje foi a imponência do oratório St-Joseph. Ele estava todo iluminado naquela hora. Que coisa linda. Chegamos no hotel e também com uma fome monstruosa, repetimos a experiencia da pizza delivery. Montreal funcionava do mesmo jeito de São Paulo e somente as pizzarias próximas faziam as entregas. O problema era que não sabíamos onde estávamos, quem dirá saber se a pizzaria estava perto ou não. Pelo menos foi o que o fresco do Zumel me disse, pois como eu não falava porra nenhuma, confiava no “porra nenhuma dele mais 0,5”. Dormimos com fome novamente.

Ah, esqueci de dizer. A diária do hotel “barato” de Allan Jolly custava 120 dólares canadenses. Ao descobrir isso, o plano era ficar um, no máximo dois dias por ali. Vimos a entrada do ano 2000 pela televisão e algumas pessoas festejando na rua pela janela do hotel. Zumel dormiu primeiro e eu fiquei sentado, olhando a janela em silencio. Era a passagem de ano mais solitaria da minha vida. Mas ao mesmo tempo estava maravilhado e aliviado pois tínhamos chegado em algum lugar, porém com o cu na mão pois sabia que tínhamos que nos mudar dali. E rápido.

Acordei logo cedo, com o estômago colado na coluna vertebral e saímos em busca de comida. Paramos logo num Nickel’s, que tinha na esquina e morremos de cara em 30 dólares. Pensei: estamos fudidos! Desse jeito, o numerário que tenho vai acabar em poucos dias e a ultima coisa que quero, é ter que pedir dinheiro emprestado a esse galado desse Zumel.

Wednesday, October 19, 2016

Bug do milênio – 9

Era só o que me faltava, eu virar patrocinador de sexo por telefone. Liso e pagão de munheca via Embratel. Logo eu, que vendia o almoço pra poder jantar. Ele que pagasse com o dinheiro do Engesa dele, foi o que pensei.

Quando chegamos no aeroporto de Guarulhos, fomos direto fazer o check-in. Tudo era novo. Éramos totalmente ingênuos quanto a tudo o que surgia à nossa frente e com aquele sentimento de que qualquer coisa poderia atrapalhar nossos audaciosos planos.

Foi aí que surgiu uma funcionária da Continental Airlines. Ela fez mais perguntas do que o oficial canadense que nos recebeu na fronteira, horas mais tarde. Ela queria saber de tudo. Depois de fazer todas as perguntas de praxe, ela então perguntou o que eu iria fazer no Canadá. Ao dizer que iria estudar, ela se queimou e disse: “É, enquanto vocês nordestinos estudam, o povo aqui de São Paulo trabalha pra sustentar vocês”.

Já pensou? Como eu pensava que ela poderia me criar problemas, numa inocência cavalar, engoli no seco e apenas respondi: “Pois é, somos sortudos demais, não é?”. Hoje em dia eu não encontro uma piadista dessas nem por cem e uma cocada. No mínimo iria pedir pra ela adiantar minha parte, que eu não havia recebido nenhum cheque de São Paulo.

Era dia 31 de Dezembro de 1999, e iríamos sair de São Paulo às 11 da manhã, fazer uma escala em Newark, estado de New Jersey, onde ficava uma das sedes da Continental Airlines (que nem existe mais) e pegar um outro avião pra Montréal, chegando lá por volta das 10 horas da noite. Duas horas antes da virada pro ano de 2000, que eu ouvia desde menino dizer que era quando o mundo iria se acabar. Eu dizia que o mundo ia se acabar, mas meu pai dizia que na época dele, diziam que quando chegasse no ano de 2000, todos os negros iriam virar macacos. Imagine só o tamanho do processo que isso daria hoje em dia?

Pois bem, pegamos um DC-10 da Continental Airlines com 13 pessoas dentro, incluindo a tripulação. Era assustador e confortável ao mesmo tempo. Viajar quase oito horas do trajeto São Paulo-Newark com o avião quase fantasma. Passamos por cima da floresta Amazônica de dia e pude atestar a sua grandiosidade. Muita árvore e muita água. Pra descansar, me deitava em três cadeiras. Quase um avião particular. Se não fossem os outros 4 passageiros, o avião era só nosso. Também pensava que se Deus quisesse derrubar um avião, com certeza ele derrubaria aquele, pois só mataria 13 cabeças. Triste constatação.

Foi quando um membro da tripulação perguntou se queríamos vinho. Respondi que sim e ele trouxe pra cada um, uma garrafa de 250ml de um vinho tinto californiano que até hoje não sei o nome. Bebemos em menos de 5 minutos e pedi ao mesmo sujeito mais uma garrafa. Ele trouxe duas pra mim e duas pra Zumel. Acabamos e pedimos mais. Ele trouxe dessa vez quatro em cada mão e disse: “quando acabarem, vão ali naquela portinha e se sirvam a vontade que eu vou dormir”. Que maravilha. A excitação era enorme. Nunca haviamos ido por aquelas paragens.

Os “sortudos” estudantes nordestinos estavam luxando naquele avião que a funcionária paulistana fez piada. Ninguém sabia ainda da epopeia que iriamos enfrentar dentro de algumas horas. O choque cultural foi mesmo que um direto no queixo de cada um.



Wednesday, October 12, 2016

Bolsa sem valores – 8

Deixamos os passaportes no hotel e partimos pra farra. Por aí dá para se ter uma idéia de como éramos prudentes. O hotel era situado a poucos metros do prédio da Bolsa de Valores. Só que não sabíamos disso. Sabíamos que ali não passava carro e tinha vários bares. Paramos no primeiro, onde o dono era um chinês. Muito ignorante e bruto, por sinal.

Bebemos pra valer e depois enjoamos do ambiente, pois só tinha vagabundo e bêbado naquela pocilga. Resolvemos dar um upgrade no ambiente e saímos de lá em busca de outro mais alegre. Eis que tinha um bar, que era mesmo na esquina com a Bolsa de Valores. Lá só tinha o pessoal engravatado, com suas namoradas e amigas também bem arrumadas. Falei pra Zuma que aquele era um ambiente melhor pra sujeitos como nós, que estávamos indo pro Canadá. Comédia.

Pegamos uma mesa que esvaziou, bem perto da calçada. Eu já estava meio embriagado e Zumel completamente. Só fazia rir. Eis que vem um caminhão de lixo e não tinha como ele passar no espaço que desejava, somente se afastássemos a nossa mesa. Os bichões da Bolsa ao ouvirem o pedido do motorista do caminhão de lixo, mandaram o motorista dar a volta, pois ninguém ia afastar porra de mesa nenhuma. O motorista ameaçando botar o caminhão por cima e eu e Zumel no meio do tumulto.

Eu preferi lidar com os bichões da Bolsa, em vez de lidar com o peso do caminhão e mandei Zumel sair daquela merda de mesa. Fui lá pra perto dos bichões. E eles gritando pra Zumel não sair. Eu já não dizia mais nada, queria mais que ele se fudesse pra deixar de ser burro. Quando ele tomou um gole e se levantou, o caminhão passou por cima da mesa.

Diante dessa adrenalina toda, Zumel ajeitou a mesa e tomamos mais algumas e fomos embora, ainda escutando os cochichos dos bichões da bolsa, dizendo que nós éramos frouxos, éramos pra ter enfrentado o caminhão. Bando de filho da puta. Eles mesmo não chegaram nem a 3 metros de distância do caminhão, mas davam corda pra que ficássemos. Acho que queriam ver a gente morrendo, pra completar algum ritual macabro de comemoração de alguma alta do índice Bovespa. Vai saber.

Voltamos pro hotel com uma fome monstruosa e com o catálogo telefônico de São Paulo nas mãos, resolvi pedir uma pizza delivery. Acostumado com Natal, olhei somente os anúncios grandes e liguei. Todas se recusaram a entregar naquele endereço, alegando ser muito longe. Ora, se o cara ligasse pra uma pizzaria em Ponta Negra e mandasse entregar em Morro Branco, os caras iriam. E isso pra mim era longe pra caramba. Mas lá em São Paulo era diferente. Liguei pra umas 30 e nada. Já comecei a ligar de sacanagem, pra irritar os caras. No fim, fui dormir com fome. Puto da vida. Zumel então pergunta se eu acabei de usar o telefone. Ao receber minha afirmativa, pede pra usar o mesmo e vai pra dentro do banheiro com o aparelho. Ele entrou na banheira com o telefone e eu fui dormir escutando os risinhos de rapariga ruim e declarações de amor.

Quando acordamos, tomamos café da manhã e fomos pagar a conta pra poder ir pro aeroporto. Como não havíamos tocado naquele frigobar, esperei somente a formalidade da menina de fechar o quarto, que já estava pago antecipadamente e pronto. Eis que vem a conta, 150 reais. Quando fui olhar, era o telefonema que o puto tinha dado quando eu tinha ido dormir. Tratava-se de uma rapariga que ele tinha e que ficou de viadagem noite adentro, numa ligação interurbana.

E pra completar a cara de pau, ainda queria que eu rachasse a despesa com ele. Não tinha cabimento, quase o preço de duas diárias do hotel somente de telefone. Fui embora procurar um taxista, que cobrou 50 reais pra nos levar até o aeroporto, flat rate. O bicho ficou puto, não falou comigo durante o trajeto.

Wednesday, October 5, 2016

Paulicéia desvairada – 7

Foi o desgraçado fechar a boca e eu agarrei nas minhas duas malas e atravessei a rua correndo, pra outra calçada, onde tinha um táxi parado. Todos os meus pertences estavam ali e eu segurando com tanta força aquela mala, só me lembrando do velho agarrado ao assento do avião. Arrumamos as malas como deu e saímos dali voando, tentando responder ao motorista que não éramos doidos por estar naquele local com quatro malas, dando sopa. Pagamos a fortuna do taxista, que por sinal não estava no orçamento de Jajá, e entramos no hotel já com o prejuízo absorvido.

Dormimos bem e no dia seguinte, saímos em disparada pro Consulado Canadense, que na época se situava na Avenida Paulista, pouco depois do MASP. Mas como chegar naquela porra? Lá se foi o falecimento de mais algumas notas de Real pra um novo taxista. Fui na frente e ao dizer qual era a nossa missão, o taxista entregou uma foto com um santo e uma prece atrás pra ser lida toda as vezes em que estivéssemos em dificuldades. Era o Santo Expedito, que sempre ajudava-o nas causas mais difíceis.

Agradeci ao motorista mas fiquei encucado. Se aquele galado daquele taxista estava achando uma causa difícil nós obtermos o visto canadense, o que diria o outro corno que iria carimbar o passaporte? Se o motorista era um brasileiro como nós, um nordestino honrado (?), estava pondo em prova o final feliz dessa história, o canadense então iria nos trucidar. Não passei essa preocupação pra Zumel, que como um abestalhado estava perguntando o nome dos lugares por onde passávamos ao taxista. Eu queria lá saber nome de porra nenhuma. Minha preocupação era poder embarcar.

Marcamos de encontrar com o despachante, que trabalhava pra STB, a agência por onde estávamos viajando, com passagem com preço de estudante, do nosso amigo Maninho (700 dólares na época). Chegamos no Consulado Canadense, a praga ainda estava fechada, talvez chegamos antes, não sei. Ficamos perambulando pra cima e pra baixo na Avenida Paulista e em alguma galerias pra passar o tempo. Gastar alguma coisa, nem pensar. Então encontramos o sujeito, um negão de quase dois metros de altura. Sorridente e confiante. O Consulado abriu e tínhamos que bater foto pra poder adentrar naquele palácio. Nunca tinha visto um negócio daqueles. E o crachá já saia na hora.

Entramos esmagados pela moral dos canadenses. Mandaram que a gente sentasse num lugar que apontaram e ficamos ali esperando. E eu não via o negão conhecer ninguém ali. Daqui a pouco chamam o nome da gente. O negão faz sinal pra que esperássemos. “Porra é essa, Zumel?”, eu quis saber. A gente sai lá de Natal pra cá, pra na hora que chamam a gente, esse cara vai lá e nem vão escutar o que a gente tem pra dizer? Daqui a pouco caminha o negão, com os passaportes na mão e os vistos concedidos. Todo risonho.

Eu só pensava nas diárias do hotel que tivemos que pagar. Tudo em vão, pois o negão nem precisou da gente. Pensava no que iria dizer pro meu pai. Que eu iria ter que inventar uma entrevista fictícia e interrogatória, que eu só me dei bem por causa da minha retórica refinada. Foi quando, no meio dos meu devaneios, escutei um grito: “Bora, galado, quer que eles mudem de idéia, é?

Era Zumel com medo. Fomos embora e falei pra ele: “Sabe de uma? Vamos tomar uma pra comemorar essa porra. Nem quero saber quanto vamos gastar. Afinal, o que é um peido pra quem está já todo cagado?” Lá se foi outro táxi. Agora com visto canadense, eu já me sentia rico. Associação mais estúpida não poderia existir, mas assim foi. Porém, não se sentindo tão rico assim, pois o visto era canadense e não americano, mandamos o motorista tocar pro hotel, uma vez que acharíamos um bar ali perto pra não ter que morrer em outro táxi quando acabasse a bebedeira.