Wednesday, February 10, 2016

O consumidor é uma criança mimada

Na Foto acima, tirada por mim, uma loja da Zellers sendo reformada pra se transformar em Target, na Erin Mills Road, em Missisauga. 

As hordas de brasileiros que viajam aos Estados Unidos adoram adentrar nas lojas da Target. Lá tem muita coisa interessante, não só para os consumidores brasileiros, mas também para os habitantes da terra do Uncle Sam.

A Target é a segunda maior empresa do gênero nos Estados Unidos, ficando atrás apenas do Wal-Mart, as lojas de Sam Walton. Sua sede é em Minneapolis, no Estado de Minnesota. Foi fundada em 1902, seu nome antes era Goodfellow Dry Goods. A primeira com o nome de Target foi aberta em 1962. Hoje conta com 1801 lojas espalhadas pelos Estados Unidos. É um gigante que fatura 70 bilhões de dólares por ano.

Por outro lado existia uma grande empresa do mesmo setor no Canadá chamada Zellers. A Zellers foi fundada em 1931, em Brampton, Ontário, Canadá. Foi vendida pra Hudson Bay Company, em 1978. Nos anos 1990, a Zellers chegou ao seu auge, com 350 lojas espalhadas pelo Canadá. O Walmart, no Canadá, é tido como o principal culpado da derrocada da Zellers, uma vez que esta não teve como competir com o gigante americano.

Eis que em 2011, a Target decide comprar a Zellers, que já havia sido comprada por um investidor privado. A Zellers tinha 220 lojas nessa época e a Target pagou 1 bilhão e 800 milhões de dólares pela empresa, sublocando os prédios à própria Zellers, que só viria a fechar as portas definitivamente em março de 2013, quando a Target começou a operar no Canadá.

Desde que cheguei no Canadá, tive o cartão da Zellers. Era como uma espécie de entrada pra se ter crédito. Eles davam pequenos créditos de 500 dólares, que ia aumentando caso o pagador fosse bom. Isso abria o nome do cidadão no Bureau de Crédito. Os produtos deles eram inferiores aos do Wal-Mart e os preços similares. O que a salvou por algum tempo foi de fato essa oportunidade de crédito aos menos favorecidos e imigrantes recém-chegados e o Wal-Mart sempre foi péssimo de crédito no Canadá.

Em apenas dois anos, no começo de 2015, a Target Canadá pediu concordata e fechou todas as lojas que tinha no Canadá. Alguns analistas dizem que entre 2011 e 2013, eles não tiveram tempo o suficiente pra se adequarem ao mercado canadense. Outros analistas dizem que o problema principal foi a questão da logística. Mas na verdade, um problema não exclui o outro. Nao tiveram tempo de preparar a logística.

Não existia uma viva alma que acreditasse que a Target iria quebrar a cara como quebrou. Mas aconteceu. O sistema de logística da Target afundou a empresa, simplesmente porque não tinha os produtos nas prateleiras do lado canadense da fronteira. E sem os produtos, como o consumidor comprar? Hoje em dia, o consumidor não é mais aquele que fazia fila na frente das lojas pra comprar um quilo de açúcar. Hoje em dia, todos tem o açúcar e o consumidor não tem mais tempo pra esperar.

Mas como pode uma empresa experiente e bem-sucedida como a Target não saber disso e eu saber? Lógico que ela sabia. O que não sabia é que não teriam tempo pra se ajustar à uma realidade que não conheciam, apesar de serem dois países vizinhos e de mentalidade quase similar.

O sistema de logística, ou o cerébro desse tipo de operações, é quem diz o que tem na loja, o que pedir, o que vende mais, o que vende menos, quantos dias antecipadamente pedir pra não faltar, e tudo o mais. Outro dia fui numa banca em João Pessoa e observei um vendedor da Sousa Cruz fazendo um pedido de cigarros, com seu tablet na mao. Ele ia perguntando e o dono da banca ia dizendo: 6 hollywoods, 5 Carlton, 8 Minister e etc. O dono dessa banca é o sistema de logística dele, simplisticamente falando. Se ele não tiver lá, os cigarros vão faltar ou não chegar a tempo ou ficar sobrando, empatando dinheiro à toa.

Agora imagine isso pra uma cadeia com 127 lojas, com milhares de produtos em cada uma. Sem um sistema desses de logística, como pode dar certo? A logística é um fator chave de sucesso e derrota das empresas nos dias de hoje. Quanto de estoque devo ter? Qual o estoque mínimo? Está o consumidor disposto a esperar vários dias por um mercadoria, caso eu não a tenha naquele momento? Esse equilíbrio é essencial.

O fato é que o sistema usado na Target nos Estados Unidos não funcionou no Canadá, por questões de medidas, língua, moeda e outros trique-triques. Não teriam tempo de fazer as adaptações necessárias e decidiram optar por um usar um sistema que já vinha dando problemas de implementação às empresas canadenses.

Começaram do zero. Mas o sistema canadense, que na verdade é alemão, só funcionava com muita informação sobre cada produto, o que levava muito tempo pra preencher e tinha que ser feito manualmente. Se não estivesse tudo completinho, o sistema não operava. Outro problema, ninguém sabia operar o sistema de forma correta. Além disso, o pessoal contratado pra preencher esses dados manualmente, não faziam de forma precisa, o que gerou um problema ainda maior. Colocavam qualquer coisa só pro programa aceitar e irem em frente, como dados repetidos.

O que aconteceu como resultado foi um caos total. O que aparentemente são coisas simples de resolver, viraram o calcanhar de Aquiles. Alguns exemplos. O produto vinha dos Estados Unidos em polegadas, o sistema canadense é métrico. A conversão apressada ou a ausência delas fez com que os produtos não coubesse nos caminhões, containers e prateleiras da maneira como era calculado. O peso vinha de lá em libras e o Canadá trabalha com quilos. Outro problema. As papeladas de importações eram preenchidas com esses erros de medidas e peso e os caminhoes e navios ficavam parados com a mercadoria dentro e consumidor final esperando. Esses foram alguns exemplos mas vocês já perceberam aonde quero chegar.

No inverno de 2005, trabalhei no Warehouse da GAP, que envolvia as operações da GAP, Old Navy e Banana Republic, todas da mesma corporação. Lá eu pude ver um centro de logística por dentro, em todas as suas fases. As roupas chegavam de um lado do galpão, vindas dos fabricantes, geralmente de países de terceiro mundo asiáticos. Os funcionários tinham que desembalar essas caixas, que vinham, por exemplo, 50 camisas verdes, de gola em V, tamanho M, da GAP. Dali iam pra um local onde outra equipe já tinha os pedidos das lojas prontos. Loja 1 queria 3 camisas dessas, mas queria tantas amarelas, tamanho P, outras vermelhas tamanho G e por ai vai. E queriam também da Old Navy. E da Banana Republic.

Depois essas novas caixas criadas com os pedidos das lojas iam pras esteiras, que já iam pros pallets, que iam pros caminhoes que iam levar pra determinadas regiões. Ficavam uns 8 caminhões com as portas de trás abertas, um frio infernal, e os caboclos enchendo. E se não tiver o funcionário treinado pra operar o software em cada etapa? E cuidar para que fisicamente aquelas caixas estejam em determinado pallet, que cada caixa esteja com as peças corretas? O negócio para mesmo. E parando, ficam os caminhões lá fora, recebendo hora extra, podendo até perder o navio que vai mandar pra outro lugar. Tudo tem que trablhar correto.

Uma empresa, não importa o tamanho dela, não pode deixar o consumidor sem o produto à sua disposição. Sem o produto, o vendedor não pode fazer milagre e muito menos fabricá-lo ali na hora. Seja fabricante, seja revendedor, o produto tem que estar ali, brilhando, lindo e maravilhoso, pra essa criança mimada que não pode esperar chamado consumidor.

Se abrir as portas pra um determinado mercado, abra com produtos à disposição, caso contrário, essas portas serão fechadas antes mesmo de você saber o porque. Lembro sempre que a lanchonete Pittsburg, em Natal, sempre tinha o que se pedia, enquanto que o Sandunas, sempre faltava algum ingrediente. Quem é de Natal sabe o destino das duas empresas. Hoje em dia, pra piorar, o boca-a-boca não é só de um pra outro, nas rodas de amigos, é online e nas redes sociais.

Fabiano Holanda, João Pessoa, 10 de Fevereiro de 2016.