Friday, March 27, 2015

Os portões do Éden

“When you got nothing, you got nothing to lose”
Bob Dyan
Outro dia eu estava me lembrando de uma frase de Antonio Carlos Jobim que dizia que morar no Brasil era bom mas era uma merda e morar no exterior era uma merda mas era bom. Ele vivia dividido entre New York City e o Rio de Janeiro, evidentemente com uma enorme estrutura nos dois lugares. Hoje vivo situação similar, dividido entre o Canadá e o Brasil.
Conseguir isso, diferente de Tom, faz com que eu tenha que me desdobrar em dois, aguçando a observação sobre o que é bom e o que é ruim nos dois lugares. Cheguei no Canadá no dia 31 de dezembro de 1999, então com 24 anos de idade, cheio de sonhos e querendo enfrentar qualquer coisa. Nessa época, só conseguia enxergar as coisas boas do Canadá e as coisas ruins do Brasil. Hoje sei que escolhemos o que queremos ver. Na verdade, vemos o que nos convém. A percepção se adapta aos seus anseios e não o contrário.
Nesses últimos 15 anos, passei a frequentar muito pouco o Brasil, e mesmo nessas poucas vezes que ia, via tudo sob a ótica de um turista, sem precisar de nenhum serviço do país, a não ser dos garçons e indivíduos envolvidos no turismo de maneira geral. O mesmo ocorre quando alguém pensa que conhece um local apenas indo visitar seus restaurantes e museus. Na verdade, você que pensa assim, conhece apenas os restaurantes e os museus. Você só conhece uma localidade se precisar ganhar dinheiro ali, ou investir.
Tendo que fazer dinheiro nos dois países, me pego às vezes sendo inocente, tal qual uma criança descobrindo que o mundo não é feito de fadas. No Canadá, abrimos uma empresa simples, sem ser corporação, na mesma hora, pela Internet, ao custo de 70 dólares. Caso queira uma corporação, vai te custar 400 dólares e também estará aberta assim que o seu contador te entregar o livro e as cotas, ou seja, se você abrir através dele, já sai de lá com tudo pronto. Nos dois casos, já pode ir ao banco, abrir uma conta pra poder receber o dinheiro dos clientes e ser feliz. No caso do contador, ele cobra 100 dólares pelo serviço. O salário mínimo aqui fica na ordem dos 2 mil dólares.
No Brasil, precisei abrir uma empresa simples e deixei a papelada pronta no dia 2 de março. Hoje, dia 27 de março, a empresa ainda não está aberta, mas tive que pagar 567 reais referentes à abertura, somado com 400 reais dos honorários do contador. O salário mínimo é da ordem dos 700 reais. Sem falar que eu gasto no Canadá, com minha empresa incorporada, 400 dólares anuais com serviços de contabilidade. No Brasil, o mesmo serviço pra uma empresa simples é de um salário mínimo por mês.
Outra aberração da natureza são os chamados cartórios. Não é a corrupção, não é o PT, não é nada que atrasa o avanço do país. O câncer é o tal do cartório. Tem cartório no interior fazendo o usuário esperar até 45 dias corridos pra entregar uma Certidão de Inteiro Teor e um Registro de Contrato. Somado com 30 dias corridos para entregar uma escritura de um terreno. Somente com esse tempo de gestação, muita gente vai à bancarrota. Em um mundo em que a velocidade de tudo é supersônica, essa palhaçada faz parecer que vivemos no Brasil Colonial.
Mas, por outro lado, não existe em nenhum lugar do mundo um restaurante como o Camarões. Nem em New York City, nem em Toronto, San Francisco, Los Angeles, Chicago, Miami ou Pittsburgh. Se engana quem acha que somente no exterior existem coisas boas. Negativo. Temos também em terras tupiniquins. Dizem que a pizza de São Paulo é a melhor do mundo. Nos esforçamos e temos excelência em muita coisa, apenas as prioridades são inversas.
Fabiano Holanda, Oakville, 27 de março de 2015.

Friday, March 20, 2015

A injeção e o estrago feito



“I never knew a man could tell so many lies, he had a different story for every set of eyes. How can he remember who he's talking to?”
Neil Young
Era uma vez um nordestino que saiu lá de Pernambuco e foi parar em São Paulo, lugar que atraía toda espécie de gente, pelo seu poderio econômico. Esse cidadão, de uma esperteza fora do comum, nada tinha de Jeca, era um doutor na arte de enrolar as pessoas. Sua ascensão é um caso pra ser estudado pelos pilantras de todos os setores, um verdadeiro Case. Chegou a líder sindical, e começou a criar fama dentro de um período de governo militar. 

Na primeira chamada que levou pra prestar depoimento no DOPS, Departamento de Ordem Política e Social, na época comandado por Romeu Tuma, em vez de ser preso, o molusco saiu de lá com um emprego part-time: alcagueta! Ele passou a entregar todos os seus liderados do sindicato. Virou agente duplo, recebia dinheiro dos otários sindicalizados para ao mesmo tempo entregá-los de bandeja ao Tuma.  

Foi então que os intelectuais de esquerda[1], os artistas, professores universitários de prestígio e políticos, decidiram usar a figura de Luís Inácio para ser a “cara” de um novo partido que pretendiam criar, o Partido dos Trabalhadores. Ele tinha livre acesso por entre essa gente, além de que, iria amealhar muitos  votos por entre os operários do ABC Paulista. 

Dois episódios dessa época deram sinais sobre quem Lula procurava servir. Não era a operário, não era a país, não era a seu ninguem. Ele só pensava nele próprio e em uma forma de vencer na vida, custasse o que custasse. O homem mais importante do governo de então, o General Golbery do Couto e Silva, através da pessoa de Cláudio Lembo, mandou saber de Luís Inácio, como ele poderia ajudar no processo de Anistia, de repatriar os membros da esquerda que estavam exilados. Luís Inácio, numa granja do sindicato, já se beneficiando das benesses que se tem ao rebanhar um monte de trouxa que paga seu sustento, disse que para ele não interessava, que deixasse os companheiros lá em Paris tomando vinho, pois a volta deles iria atrapalhar os planos que o próprio Luís Inácio tinha de ascensão. Este episódio é bem contado no livro sobre Lula do escritor José Nêumanne Pinto.  

O outro episódio aconteceu durante um discurso de Lula aos opérarios. No meio do discurso, Lula observa umas mulheres em cima do palanque. Atrizes, universitárias, mulheres que ele julgou independentes e lindas. No meio do discurso, começa a fazer um discurso feminista. Ziraldo, o cartunista, o chama num canto e fala, “Lula, não fale de feminismo, não pega bem, o seu público operário é altamente machista, você vai se prejudicar”. A resposta de Luís Inácio foi categórica: “Companheiro Ziraldo, com meus companheiros eu me entendo mais tarde, meu discurso é pra comer as bucetinhas das feministas ali”. Essa história foi contada por Ziraldo em entrevista dada à revista Playboy. 

Quem o cercava já sabia quem era o pilantra, se deram continuidade a esse plano, é porque são safados e queriam surfar na onda macabra criada por eles. Esses não tem o que falar, merecem tudo de ruim que a justiça possa ferroar. Mensalão, petrolão, e todos os escândalos dessa corja já eram previstos por muita gente, afinal um esquema desses não surge do dia pra noite, mesmo capitaneados pelo mestre da mentira. Agora, quem ficou sabendo de tudo e continua apoiando essa cafajestada toda, em nome de uma ideologia (que ninguém do PT tem, a não ser a ideologia do enriquecimento próprio), sofre de profunda esquizofrenia e devia procurar tratamento urgente.

A máquina que sustenta alguns setores da sociedade, comprando suas conivências, irá secar um dia, e aí, o que vocês vão fazer? Vou contar. Afundar no mar de fezes, de mãos dadas, com a estrela do PT pregada na testa, enquanto assistem à elite do Partido fazendo igual à Marco Aurélio, da novela Vale Tudo, dando uma banana pra vocês, pro país e, principalmente, pros que ficarão arquejando sem as bolsas-esmolas, que calaram a boca de tantos enquanto as safe-houses estão sendo preenchidas com dólares! 

Fabiano Holanda, Oakville, 20 de março de 2015


[1] Perdoem, tenho que chamar assim pra identificá-los, mas quem tem pensamento esquerdista não é e nunca será um intelectual, pois é antes de tudo um mentiroso contumaz, e intelectuais tem como profissão investigar em busca da verdade.  

Friday, March 13, 2015

Falta tempo, sobram planos



For long you live and high you fly, and smiles you'll give and tears you'll cry, and all you touch and all you see, Is all your life will ever be”

Pink Floyd
Beirando os quarentinha, descobri que, ao invés de deixar de gostar das coisas que sempre gostei, passei a gostar das mesmas coisas de maneira diferente. Deve ser uma ação natural do cérebro que diz: “Olha aí rapaz, teu tempo tá passando, se liga!”
Antigamente, montado nos meus vinte e poucos anos, eu pegava um disco de algum artista que gosto e escutava todo, e se fosse o caso, repetia uma, duas ou três vezes, tocando o mesmo disco. Hoje, escolho muito bem escolhido que canções irei escutar. Se bem que o formato chamado disco hoje em dia é um conceito bem obsoleto, um tanto quanto jurássico. Com a chegada do MP3, a rapaziada só pega mesmo as músicas que gosta, fato este que irritou profundamente o Pink Floyd, que faziam álbuns conceituais, que pretendiam mesmo que fosse escutado na mesma ordem que estava lá.
Mas voltando ao que falava, me pego pensando que dentre alguns anos, irei somente escutar alguns trechos ou frases das canções que mais gosto. O mesmo ocorre com livros. Na arrogância juvenil, achava que tinha que ler o livro todo, mesmo aquelas partes que são enchimento de linguiça, não importava. Um professor me indicou certa feita A era dos extremos, de Eric Hobsbawm, como forma de conhecer o século XX.
Logo no início, percebi se tratar de uma obra esquerdista, mas a curiosidade de ver até onde ia aquela visão deturpada, aliado com a boçalidade de querer ler tudo, fez com que eu terminasse aquela obra enfadonha. Depois me deparei com Modern Times, de Paul Johnson, aí fui até o fim, com deleite, pausando pra solver aos poucos, como eu fazia com um chocolate Talento, comendo cada quadradinho por vez, deixando derreter na boca. Já A Lanterna na Popa, de Roberto Campos, esse eu gastei o tempo com ostentação, um verdadeiro perdulário das horas, lendo, relendo e anotando. 
Na verdade, procuro descobrir se é a idade e a proximidade com minha tumba que trouxeram esse comportamento mais seletivo ou se foi a descoberta que ninguém pode ser interessante o tempo todo. Assistir aos vídeo tapes da seleção de 70 comprova isso. Aparece cada jogada que você olha pro outro lado com vergonha alheia. No entanto, entraram pra historia como um dos maiores times de todos os tempos.
Hoje aprendi a fazer uma leitura cirúrgica das obras, me permito utilizar uma atitude maravilhosa chamada Critério! Assim como seleciono nos discos e livros, não me aprofundo mais nas conversas, nos emails, nos textos, simplesmente não tenho mais tempo pra isso. Perguntaram a Caymmi certa feita porque ele não compunha mais, e ele respondeu: “emburreci”, pra não ter que se aprofundar na resposta. Eu procuro justamente esse processo de emburrecimento voluntário. É muito chato você se aprofundar, assim como é chato as pessoas que gostam de se aprofundar, e as pessoas que escutam os discos todos e leem os livros por completo.  
O bom mesmo é ter personalidade o suficiente pra sentar descontraído, tomar uma gelada, comer algo que goste, rir, falar sobre amenidades, pois duas coisas que a idade desenvolvida me permitiu descobrir foram: 1) que somos um defunto adiado e 2) que ninguém convence ninguém dos seus argumentos.
Fabiano Holanda, Oakville, 13 de março de 2015.

Friday, March 6, 2015

Um pássaro no fio



“Like a bird on the wire, like a drunk in a midnight choir, I have tried in my way to be free”.
Leonard Cohen

Acredito ser um sentimento comum à quase todos os seres humanos, lembrar com saudade de algo que não existe mais. Falo quase todos, pois tem cada sujeito por aí que benza Deus. Com o temperamento de um Diabo da Tasmania quando mais jovem, antes mesmo do meu velho pai terminar de falar, eu já estava discordando, de pronto, com a mão direita levantada, palma virada pra ele, como quem diz: “Pode parar, não concordo!”

Hoje, muitas primaveras depois, sei que prestei atenção em cada ensinamento e pensamento exposto em noitadas regadas à cerveja, boa música, com as dunas de Morro Branco como moldura desleixada, e tenho plena consciência de que fui um privilegiado. Mas na hora não via assim, apesar de todos os amigos repetirem e repetirem à exaustão a verdade que estava pulando diante de mim.

Mas, sentir saudade de alguém querido e querer escutar o que ele teria a dizer hoje em dia é fácil. Facílimo. Difícil mesmo é aproveitar os momentos quando eles estão acontecendo. É uma arte que poucos conseguem. O sujeito casa, todos aproveitam a festa, ele está preocupado se tudo está dando certo, pensando na conta a pagar ou o no que já pagou, enquanto todos bebem e comem. Mas no futuro ele irá olhar paras as fotos e pensar que se divertiu bastante. E exemplos como esse aparecem aos montes. Viagens, trabalho, músicas, atores, tudo é melhor no passado.  

No último domingo saí pra almoçar com minha mae, minha Preta e os pais dela, pois na segunda-feira iria viajar pro Canadá. Pensava em ir ao hotel que estava hospedado para descansar um pouco, pois à noite iria pro cinema com a Preta assistir à American Sniper. Ao deixar minha mãe em casa, resolvemos subir e chegando lá, a minha irmã convida pra assistir ao filme The theory of everything. Sem nem saber da existência desse filme, comecei a assistir e fiquei fascinado.

 Uma pena que tivemos que sair antes do fim, senao perderíamos o nosso cinema, pensei. Mas eis que no dia seguinte, The Theory of everything estava disponível no avião e terminei de assistir. O propósito principal dos estudos de Hawking é formar uma teoria, simples e elegante, como ele frisou, que explique e conecte em uma só estrutura todos os fenômenos físicos em um único tratamento teórico e matemático. Pretende somente unir a mecânica quântica à relatividade geral. E haja elegância.  

Pensando nisso, tenho um novo propósito existencial. Pretendo descobrir como fazer para gostar das coisas de hoje e fazer também com que os que estão ao me redor possam vivenciar isso. Espero não descobrir isso quando estiver caquético ou doente em cima de uma cama. Isso, acredito, que envolve deixar as coisas pequenas sendo sempre pequenas. Lupa nesses casos são nocivas. Mesmo que seja pra chorar, nunca é melhor deixar pra depois. 

Fabiano Holanda, Oakville, 6 de março de 2015