Wednesday, March 9, 2016

O homem que não queria nada

Ele trabalhava sem nunca dar o melhor de si. Nunca se doava à nada do que fazia. Era daqueles sujeitos que apertava a sua mão como se estivesse pegando em algo gelado que se não soltasse logo, congelaria. Não gostava de elogio, e por isso nunca se esforçava. Não gostava de afeto, de conversa, de música, de livro, de festa, de bebida, não gostava de nada e nem de ninguém. Só gostava de jogar Candy Crush Saga e era isso que fazia quando não estava trabalhando. Ninguém conhecia nenhum membro da sua família, se é que ele já teve uma algum dia. Não tinha um escritor favorito, um artista, um ídolo. A única diferença pra ele entre o final de semana e a semana era que no sábado e no domingo ele não precisaria falar com ninguém, nem com o entregador de pizza, pois comprava pizza de supermercado mesmo, afinal, não via diferença entre a pizza congelada e a pizza feita num forno à lenha. Ah, e nos finais de semana, tinha mais tempo pra jogar CCS. Há muito tempo atrás teve uma mulher pela qual se apaixonou, mas por ele ser estranho demais, ela o deixou e ele ficou mais estranho ainda. Mas era calmo. Sua tristeza era triste mesmo, não fingia. Ter raiva e ter que argumentar ou lutar por seus direitos não estava nos seus planos e por isso a cabeça sempre baixa. Don Draper, de Mad Men, era o homem mais alegre do mundo se comparando com ele. Até que em um dia comum, em que ele acordou com calor, como sempre (nunca consertou o ar condicionado que quebrou pois não queria tratar com o cara que iria ajeitar a máquina), fez a barba, tomou seu banho frio, tomou seu café sem açúcar, comeu sua torrada com manteiga sem sal, pegou seu ônibus e chegou na empresa. Uma agência de publicidade estava lá filmando uma propaganda para a televisão. O diretor do comercial, um sujeito que tinha feito curso de cinema e que tinha um roteiro inteiro de um filme escrito, mas que não era beneficiado pela Lei Rouanet, reparou no sujeito que acabara de adentrar no recinto. O suposto cineasta, vestido como se estivesse num bar na beira da praia, como todo publicitário, deixou de prestar atenção na gravação do comercial e passou a reparar no sujeito. Ele se encaixava perfeitamente no papel principal do seu filme. Aquele, o diretor pensou, era o cara aonde a poesia morria. Ele parecia viciado em tristeza. Quase no fim do dia, quando acabaram as gravações, o diretor-publicitário procurou o sujeito e falou do seu filme. Ele recusou, lógico, disse que não tinha interesse. O diretor disse que ele iria ganhar um bom dinheiro caso o filme desse certo e que ele não teria que representar nada, somente teria que ser ele mesmo. Com muita luta, ele fez o filme sem representar, apenas sendo ele mesmo. O diretor teve o talento de captar toda aquela tristeza dentro da película. Ele não dizia nada, apenas olhava pra tela, olhava pra baixo, olhava a paisagem e bastava, quem assistia ao filme caía no choro. Uma tristeza que não gerava pena, nem compaixão, nem solidariedade. Gerava apenas mais tristeza em quem via. O filme foi um sucesso, o sujeito ganhou todos os prêmios que podia ganhar, mas nunca foi receber nenhum. Com o dinheiro que tinha ganho com o filme, somado com o que tinha juntado na sua vida franciscana, parou de trabalhar e mudou-se, para ninguém nunca mais encontrá-lo, embora ninguém soubesse onde era a casa que tinha o ar-condicionado quebrado. E o homem que não queria nada, teve tudo o que não queria e no fim das contas, sumiu deixando nada e nem ninguém para trás. Todos queriam uma entrevista ou um bate-papo com aquele homem. Alguns queriam tentar deixá-lo mais alegre, quem sabe um psicanalista, diziam outros. Tem gente que é assim. Vem ao mundo somente pra espalhar sua tristeza e uma tristeza tão triste, que todos batem palmas, porque queriam pelo menos ter a oportunidade de serem tristes assim, mas os outros não deixam. A tristeza alheia tem que ser respeitada, disse o diretor no epílogo. Felicidade não precisa, felicidade é bagunça, é chafurdo, é galhofa. A tristeza não, essa merece respeito!!

Thursday, March 3, 2016

Diálogo do criolo doido


O sujeito irritado com o Brasil.

- Não aguento mais esse país!!! É roubo pra todo lado, falcatrua, assaltos nas ruas, ninguém pode mais sair de casa!! Quero ir embora daqui!!!

Eu:

- Porque você não vai pro Canadá? É um ótimo lugar, vivi muitos anos lá e logo, logo, volto pra lá!!

Ele:

- Me arranje um emprego lá que eu vou!!! Vou na hora!!!

Eu:

- Rapaz, em primeiro lugar, eu não tenho agência de emprego. Segundo, você sabe pelo menos falar inglês ou francês?

Ele:

- Tá vendo? Você não me ajuda e nem sei falar essas línguas!!!

Eu:

- Você quer que eu arranje um emprego pra você e fique lá de tradutor? Porque você não começa um projeto de imigração, começando por entrar numa escola de línguas?

Ele:

- Não tenho tempo pra isso, além do que, não tenho mais idade pra aprender línguas!!

Eu:

- Cara, em primeiro lugar você tem que entender o que é morar fora do Brasil. Você não quer ir pra um lugar diferente dessa merda aqui? Então comece a mudar o seu jeito de pensar. Se quer ganhar em dólar com o sistema daqui, desista. Você quer ir com emprego garantido, que pensa que vai ganhar rios de dinheiro sem fazer nada. À la Assembleia Legislativa do RN. Não tem interesse em aprender pelo menos o inglês e aposto que não aceita encarar sub-empregos até se adaptar, não aceita fazer as tarefas domésticas, nem ao menos colocar gasolina no próprio carro, entre tantas outras coisas...

No final das contas, ele diz:

- Pois é, vai ter um show de Aviões do Forró sábado, tu vai?