Wednesday, November 30, 2016

Vivenciando o lugar – 14

A escola de francês da Université de Montréal era muito legal. Tínhamos aula o dia inteiro por 3 meses. Zumel ficou um nível acima do meu. Eu concluí os níveis 1 e 2 em três meses e fiz grande amizades, principalmente com os latino americanos, como não poderia deixar de ser. Idiomas parecidos servem como válvulas de fuga do silêncio total. Se quer dar fim a um tagarela, basta colocar o mesmo no Cazaquistão. Em três dias ele se mata.

Teve um dia que fomos sair com a galera do francês ainda no começo do curso, pra nos conhecermos melhor, sugestão da professora, para podermos praticar o pouco que sabíamos. A tarefa era usar o francês, mas foi uma salada de idiomas, até árabe.

O encontro foi em uma pizzaria na Côte-des-neiges chamada Pizzadelic. Bem, fomos Dona Flor, eu e Zumel. Dona Flor era o apelido de uma nota de 20 dólares que estávamos dividindo. Pedimos duas doses de vodka, uma seven up e duas fatias de pizza, uma pra cada um. Com as taxas, a conta deu 19 dólares e pouco. Quando recebi o troco ficamos boquiabertos. Resolvemos que o lugar de liso era em casa e assim foi o resto do curso, praticamente. E o garçom, chateado, esperando a gorjeta, que por lá é Pourboire.

O mexicano Manuel Ávila e o colombiano César Gomez foram os que ficaram mais próximos, ambos do mesmo nível que eu. Pessoas muito boas. Nas últimas duas semanas, eu recebi uma grana extra do meu velho e pude sair mais de casa. No começo eu só ficava em casa, comendo e vendo televisão com os padres. Usando a Internet quando não tinha ninguém em casa e resolvendo exercícios dos livros do curso de francês. Fazia, apagava e fazia de novo. Fiz mais de 20 vezes cada. Quer que um cara tenha disciplina nos estudos e fique fera? Deixe ele trancado, liso, dentro de um quarto, sem nenhum eletrônico. Quando ele cansar de dormir e de fazer o que se faz sozinho, ele não vai ter outra alternativa senão estudar, até mesmo para passar a praga do tempo.

Manuel era um cara supertranquilo, gostava de fumar uma maconha e ficava o tempo todo rindo. Fotografo talentoso, era casado com uma canadense de Vancouver e já moravam em um apartamento deles. Fui lá tomar várias Molson Dry e praticar inglês com o casal. Escutavamos muita música e ele me contava histórias de Carlos Santana. Sua esposa era uma simpatia também, bebia cerveja com a gente e fazia tira-gostos.

Na casa de Manuel, em Verdun, tomei meu primeiro grande porre em Montreal. Saí de lá perto da hora do metrô fechar e não sei até hoje como consegui fazer a baldeação da linha verde pra linha azul e sair da estação e chegar na casa dos padres. Acordei no outro dia depois do almoço, sem saber onde estava. Longe da minha casa eu já estava, mas perdido sem me situar na casa dos outros, foi uma sensação estranha demais. Como se fosse o perdido dos perdidos. Dois níveis de perdição.

Cesar tambem um cara fantastico, colombiano com cidadania americana, falava inglês fluente e trabalhava com computadores. Tinha um amigo com quem dividia o apartamento chamado Alex. Fui na casa dele tomar uma grande, depois fomos pro Winston Churchill, na Crescent e voltamos pra terminar a cana por lá. Foi o segundo porre. Acordei lá também sem nem saber onde estava. Ressaca braba, tomando Canadian Whiskey. Os dois sabiam que o dólar americano valia mais do que o real e eles tinham bastante, fui convidado da noite.

No dia seguinte, no café da manhã por lá e Alex estava colocando ovo no prato. Cesar disse: |Enough! Eu entendi que significava chega. Pedi pra ele escrever a palavra num papel. É assim que se aprende.

Wednesday, November 23, 2016

Achando lugar – 13

Já íamos nos despedindo, agradecendo ao Claude pela grande força, e também pela gratuidade do esforço, eis que num momento cinematográfico, Zumel se vira pra ele e diz:
  • E os nossos 100 que já pagamos, ele vai nos devolver né?”
Rapaz, o Claude nem respondeu, fechou a porta e deu um bom dia. Ligamos pra Natan e o intimamos de ir também, pra fazer número, uma vez que o filipino andava com mais 4, seriam 5 contra 3. Natan concordou, mas foi se tremendo todo. Eu combinei com Zumel, se der merda, a gente joga alguma coisa em cima desses putos e corre o máximo que puder até a casa de Natan.

Natan berrou logo, “Lá em casa não, lá em casa não, vão pro Metrô, se Júlia ficar sabendo, ela me mataaaaaaa…”. Canalha.

Mas uma vez chegando lá, o filipino tomou a chave das minhas mãos, e já foi mostrar pra outro inquilino. Nem falou nada. Ou seja, era tudo jogo de cena. O tal do se colar, colou. Bandidão.

Aparecida foi de grande valia, assim como Natan e Ieda nesse nosso começo em Montréal. Foi através de Aparecida que conhecemos o Padre Pierre Labine. Ele também era aluno de português de Aparecida. E por coincidência, era o padre do Oratório St-Joseph, aquele que tinha me maravilhado na chegada em Montréal.

O padre Pierre tinha uma casa em que alugava quartos por 300 dólares por mês, incluindo ai alimentação de boa qualidade. Pela maior parte dos 3 meses que ficamos por lá, só moravam eu, Zumel, o padre Pierre e o irmão Michel. E em quartos individuais. No final, foi que chegou uns africanos, mas aí já dominávamos o ambiente.

Isso foi uma bênção em todos os sentidos. O padre nos ajudou e muito. Inclusive nos levou pra passear em Ottawa e Cornwall e nos hospedamos numa fazenda da Igreja num feriado prolongado. Ali eu conheci de maneira direta o inverno canadense.

Saindo da casa, um frio seco e cortante, neve pra todos os lados, afinal lá não se passava o Snow Plower. Dentro da casa, uma lareira queimando a madeira da região, gerando um cheiro característico que onde eu estiver, eu ainda lembrarei daquele cheiro, mesmo com 100 anos de idade.

Abrimos um bom vinho, sentamos próximo a janela de vidro grande, apreciando a paisagem branca, aquecidos pela lareira natural. Se tivesse uma paz maior do que aquela, eu nunca tinha vivido. Parecia que ali as almas descansavam de verdade. Além de tudo isso, teve a experiencia de viajar pela primeira vez em rodovias cobertas de neve. Também uma outra experiencia fantástica. O padre gostava somente de música clássica. Deslizávamos na branca areia, ao som de Vivaldi, Bethoven, Mozart, Bach.

O padre Pierre também nos dava carona pra Université de Montréal todas as manhãs, ali na Avenida Decelles, uma vez que ele ia pro Oratório de toda forma. A casa onde morávamos era situada ali naquele região entre as estacões de metrô De Castelnau e Jean-Talon. Era na rua Faillon, esquina com a St-Denis. A noite tinha um carteado, eu e Zuma contra padre Pierre e Irmão Michel. No meio de uma tossida, Zuma dizia passa um 8 de copas. Os adversários iam à loucura, as vezes abandonavam o jogo. Não entendiam, mas achavam que estávamos combinando. E estávamos.

Wednesday, November 16, 2016

Encrenca – 12

Foi então que, perto da casa de Natan (esse era o apelido dele), apareceu um apartamento vago, 4 et demi, como se diz em Montréal, e lá fomos ver. O dono era um mafioso filipino, que só andava com uns 4 seguranças. Depois de vermos o apartamento, e constatarmos que o bicho era todo fudido, resolvemos alugar aquela joça. Demos 100 dólares de depósito e Natan foi o fiador do aluguel. Resolvemos aceitar por pura falta de opção. A japonesa iria voltar pro apartamento da Décarie e não tínhamos como pagar hotel. Mas...

Saindo de lá, compramos uma cerveja e fomos beber na casa de Natan. Não sei porque, me deu um negócio, uns arrepios premonitórios e resolvi não ir mais pra aquele lugar. Estava com um mal presságio. Como sempre confiei nos meus instintos (ou quando não confiei me dei mal), me levantei do sofá e disse em alto e bom som, de supetão: “Não vou morar ali naquele apartamento”.

O que? Como?”, foram os gritos de Zuma e Natan. “Não pode!”, berrou Natan. “Eu fui o fiador, ele vai vir atrás de mim, vai ficar ligando, oh meu Deus, porque você fez isso comigo?”. Como se tivesse em transe, confirmei, naquela merda daquele apartamento eu não entraria nem a pau.

Eu estar falando aquilo era uma coisa tão surpreendente pra mim quanto era para os dois. Não sei de onde, não sei porque, mas eu estava decidido a não descansar meus ossos naquele ambiente.

Liguei logo pro velho Jajá a cobrar via Embratel e expliquei o meu problema. Ele sem entender nada, disse que eu fizesse o que era melhor. E ficou uns dólares mais leve somente com essa frase. Zumel só fazia rir do desespero do baiano, nem ligava pro resultado da história, acanalhado que sempre foi.

Então o baiano Natan, em meio a pinotes histéricos, ligou pra uma professora de português da UQAM chamada Aparecida, uma mineira que morava em Montréal desde a sua fundação.

Ele queria conselhos. Isso era Natan ao telefone, ipsis letteris:

- “Sim mulher… Eles assinaram, mulher... Foi... E eu fui o fiador... Sim... Era um quatre et demi… Muito bonzinho… Foi... Aí o menorzinho (nota: ele estava se referindo a mim) implicou que não quer ir mais, mulher... Não sei porque ele assinou... Mas agora não quer ir mais... Ai meu Deussssss! Júlia vai me matar quando ficar sabendo disso…”

Nota do autor: não confundir essa Júlia do parágrafo acima, que é estudante de mestrado com a Júlia da outra página, que era promotora de eventos. São duas pessoas distintas.

Mas voltando ao papo de Natan ao telefone. Cara, pensei em mandar aquele bicho se lascar. Mas ao mesmo tempo, ele era o nosso único contato com a realidade. Aparecida então lembrou que tinha um aluno dela do curso de português que era defensor público e disse que fossemos lá ter com o indivíduo na manhã seguinte que ele iria nos ajudar. Em menos de uma semana no Canadá já estávamos com problemas jurídicos.

O nome do defensor público era Claude e no dia seguinte ele nos recebeu. Contamos tudo a ele e ele pediu o telefone do sujeito. Ligou e foi uma discussão braba, até que o Claude o ameaçou, dizendo saber de coisas dele e mandou deixar a gente livre dessa. Então o filipino marcou um encontro para que nós pudéssemos devolver as chaves do imóvel.

Wednesday, November 9, 2016

Desespero – 11

Chegamos de volta ao hotel e arrumando minha mala, encontrei um papel que eu havia imprimido com os telefones de alguns brasileiros que moravam em Montréal, que encontrei numa busca simples no pré-histórico site “cade.com.br”, colocando as palavras chaves: “brasileiros em Montreal”.

Lá tinha os números de telefone de cinco pessoas. Como também deleguei a tarefa de ligar para essa lista para Zumel, o canalha ainda conseguiu fazer uma merda. Tinha o telefone de uma senhora chamada Júlia, e dizia ao lado que ela era promotora de eventos e o telefone de outra senhora chamada Gilda, que dizia que ela era jornalista. Zumel pegou o telefone de Júlia, pensando ser o de Gilda. E ligou e perguntou por Gilda, em português mesmo. Júlia disse que o nome dela era Júlia e não Gilda. Ai Zumel atacou com uma de suas manias imbecis:

Júlia? Ah, eu pensei que fosse Gilda. Bem Júlia, tem nada não, serve tu mesmo. Como só tem tu, serve tu mesmo, hehehe…”. Aí ato continuo, dá uma paradinha, coloca a mão tapando o telefone, olha pra mim e dá uma risadinha de rapariga. Como eu não ri, ele retornou ao papo. “O negócio é o seguinte. Somos estudantes, lisos, estamos em um hotel e o dinheiro já tá acabando. Será que tu não conhece nenhuma residência estudantil onde a gente possa se hospedar por três meses?”

Já fuzilou a mulher com esse problemão, logo no primeiro dia do ano de 2000. Ela, muito educada, disse que conhecia um cara de Salvador que poderia nos ajudar, mas que naqueles primeiros dias do ano, nada funcionava em Montréal. Puta merda, nem nisso havíamos pensado. Só pensamos em pegar o voo mais barato do bug do milênio e mais nada.

Mas o nome do cara que Júlia conhecia era Maurício e estava buscando um mestrado em Direito Ambiental, na universidade McGill. Ela nos deu o telefone desse sujeito. Zumel ligou e quem atendeu foi um cara chamado Natanael Bonfim, professor da Universidade Estadual da Bahia, que estava cursando um doutorado na universidade UQAM.

Só sei que quando Zumel desligou, foi logo dizendo que havíamos sido convidados pra jantar na casa desse Natanael. Ora, de graça eu iria até na de Papai Noel, quem dirá Natanael. As coisas pareciam estar clareando. Natanael era roommate de Maurício, e ainda tinha uma moça que por lá habitava, também baiana, chamada Júlia, estudante de algum mestrado ai desses da vida.

Ficamos conhecendo o figura e este logo ligou pra outra baiana chamada Ieda Muniz, para que esta pudesse nos dar uma luz. Ieda morava no prédio de propriedade de um senhor quebecois chamado André Boulais, situado no Boulevard Décarie, em NDG, quase na esquina com a Sherbrooke. Para nossa sorte, tinha uma japonesa que morava vizinho ao apartamento de Ieda, que iria viajar por 10 dias e estava disposta a nos alugar o apartamento dela por esse período pelo valor de 120 dólares.

Ora, o preço dos dez dias era o mesmo preço de UM dia do hotel. Foi ela fechar a boca e já estávamos lá com toda nossa parafernália. Foi bom pois dessa forma teríamos tempo pra procurar outro apartamento, pois todos os apartamentos de André Boulais estavam ocupados. Foi uma felicidade adentrar naquele ambiente, sabendo que estávamos pagando 12 dólares por dia, 6 pra cada um.

Seguindo indicação de Ieda, fomos logo a um depanneur que tinha lá perto, de uma chinesa, e fizemos umas comprinhas básicas pra sobrevivência. Evidentemente, deixando claro o que era meu e o que era de Zumel, pois o homem comia até pedra e a comida que o próprio escolhia nem cachorro chegava perto.

Wednesday, October 26, 2016

O topo da América – 10

Chegamos em Newark completamente embriagados. Eu estava de fato tonto. Como não tínhamos o visto americano, um guarda veio nos buscar dentro da aeronave pra que ficássemos presos numa salinha, esperando até a hora da conexão sair pra Montreal. Naquela época esse procedimento era permitido. E o guarda chegou e a gente só fazia rir. O cara ficou puto e foi nos levando sem dar uma palavra. Ficamos nessa sala por pouco tempo e depois mandaram uma jovem senhora nos levar pro avião.

Zumel ainda embriagado, começou a fazer comentários jocosos com relação a menina. Bêbado, ele nem percebia o tamanho das besteiras que dizía. Ela andava na nossa frente e de vez em quando olhava pra trás e sorria. E isso continuou enquanto atravessávamos o gigantesco aeroporto de Newark. Quando chegou no portão de embarque, ela nos entregou ao oficial da companhia e ao se despedir, disse, em bom português de Portugal: “Muito prazer, meu nome é Teresa. Tenham uma boa viagem”. Foi o primeiro mico continental que passamos. Muitos outros ainda viriam.

Fizemos um vôo tranquilo e chegamos em Montréal na hora marcada. Depois de passarmos pela alfândega e imigração, paramos no saguão do aeroporto, perto da saída. A porta se abriu e entrou aquele vento frio do rigoroso inverno canadense. Foi quando demos conta da merda em que estávamos metidos. Não tínhamos pra onde ir. Nem a menor ideia. Foi quando me lembrei que tinha anotado o telefone do professor Allan Jolly, amigo de Miguel Anez, aquele que havia feito seu curso de doutorado na Fundação Getulio Vargas e que falava um pouco de português.

Dei a tarefa pra Zumel ligar pra ele, na ilusão de que Jolly iria nos pegar no aeroporto e nos levar pra sua casa. No chance. Ele disse estar longe pois era noite de reveillon e que não iria poder nos ajudar naquele momento e recomendou um hotel barato, situado na rua Côte-des-neiges, chamado Hotel Terrace Royale. Saímos do aeroporto e deleguei a Zumel também a tarefa de falar com o taxista e dar o endereço do tal hotel. O mesmo nos levou pra lá, debaixo de uma nevasca impressionante.

A primeira imagem que tive de Montréal e que fica na minha memória até hoje foi a imponência do oratório St-Joseph. Ele estava todo iluminado naquela hora. Que coisa linda. Chegamos no hotel e também com uma fome monstruosa, repetimos a experiencia da pizza delivery. Montreal funcionava do mesmo jeito de São Paulo e somente as pizzarias próximas faziam as entregas. O problema era que não sabíamos onde estávamos, quem dirá saber se a pizzaria estava perto ou não. Pelo menos foi o que o fresco do Zumel me disse, pois como eu não falava porra nenhuma, confiava no “porra nenhuma dele mais 0,5”. Dormimos com fome novamente.

Ah, esqueci de dizer. A diária do hotel “barato” de Allan Jolly custava 120 dólares canadenses. Ao descobrir isso, o plano era ficar um, no máximo dois dias por ali. Vimos a entrada do ano 2000 pela televisão e algumas pessoas festejando na rua pela janela do hotel. Zumel dormiu primeiro e eu fiquei sentado, olhando a janela em silencio. Era a passagem de ano mais solitaria da minha vida. Mas ao mesmo tempo estava maravilhado e aliviado pois tínhamos chegado em algum lugar, porém com o cu na mão pois sabia que tínhamos que nos mudar dali. E rápido.

Acordei logo cedo, com o estômago colado na coluna vertebral e saímos em busca de comida. Paramos logo num Nickel’s, que tinha na esquina e morremos de cara em 30 dólares. Pensei: estamos fudidos! Desse jeito, o numerário que tenho vai acabar em poucos dias e a ultima coisa que quero, é ter que pedir dinheiro emprestado a esse galado desse Zumel.

Wednesday, October 19, 2016

Bug do milênio – 9

Era só o que me faltava, eu virar patrocinador de sexo por telefone. Liso e pagão de munheca via Embratel. Logo eu, que vendia o almoço pra poder jantar. Ele que pagasse com o dinheiro do Engesa dele, foi o que pensei.

Quando chegamos no aeroporto de Guarulhos, fomos direto fazer o check-in. Tudo era novo. Éramos totalmente ingênuos quanto a tudo o que surgia à nossa frente e com aquele sentimento de que qualquer coisa poderia atrapalhar nossos audaciosos planos.

Foi aí que surgiu uma funcionária da Continental Airlines. Ela fez mais perguntas do que o oficial canadense que nos recebeu na fronteira, horas mais tarde. Ela queria saber de tudo. Depois de fazer todas as perguntas de praxe, ela então perguntou o que eu iria fazer no Canadá. Ao dizer que iria estudar, ela se queimou e disse: “É, enquanto vocês nordestinos estudam, o povo aqui de São Paulo trabalha pra sustentar vocês”.

Já pensou? Como eu pensava que ela poderia me criar problemas, numa inocência cavalar, engoli no seco e apenas respondi: “Pois é, somos sortudos demais, não é?”. Hoje em dia eu não encontro uma piadista dessas nem por cem e uma cocada. No mínimo iria pedir pra ela adiantar minha parte, que eu não havia recebido nenhum cheque de São Paulo.

Era dia 31 de Dezembro de 1999, e iríamos sair de São Paulo às 11 da manhã, fazer uma escala em Newark, estado de New Jersey, onde ficava uma das sedes da Continental Airlines (que nem existe mais) e pegar um outro avião pra Montréal, chegando lá por volta das 10 horas da noite. Duas horas antes da virada pro ano de 2000, que eu ouvia desde menino dizer que era quando o mundo iria se acabar. Eu dizia que o mundo ia se acabar, mas meu pai dizia que na época dele, diziam que quando chegasse no ano de 2000, todos os negros iriam virar macacos. Imagine só o tamanho do processo que isso daria hoje em dia?

Pois bem, pegamos um DC-10 da Continental Airlines com 13 pessoas dentro, incluindo a tripulação. Era assustador e confortável ao mesmo tempo. Viajar quase oito horas do trajeto São Paulo-Newark com o avião quase fantasma. Passamos por cima da floresta Amazônica de dia e pude atestar a sua grandiosidade. Muita árvore e muita água. Pra descansar, me deitava em três cadeiras. Quase um avião particular. Se não fossem os outros 4 passageiros, o avião era só nosso. Também pensava que se Deus quisesse derrubar um avião, com certeza ele derrubaria aquele, pois só mataria 13 cabeças. Triste constatação.

Foi quando um membro da tripulação perguntou se queríamos vinho. Respondi que sim e ele trouxe pra cada um, uma garrafa de 250ml de um vinho tinto californiano que até hoje não sei o nome. Bebemos em menos de 5 minutos e pedi ao mesmo sujeito mais uma garrafa. Ele trouxe duas pra mim e duas pra Zumel. Acabamos e pedimos mais. Ele trouxe dessa vez quatro em cada mão e disse: “quando acabarem, vão ali naquela portinha e se sirvam a vontade que eu vou dormir”. Que maravilha. A excitação era enorme. Nunca haviamos ido por aquelas paragens.

Os “sortudos” estudantes nordestinos estavam luxando naquele avião que a funcionária paulistana fez piada. Ninguém sabia ainda da epopeia que iriamos enfrentar dentro de algumas horas. O choque cultural foi mesmo que um direto no queixo de cada um.



Wednesday, October 12, 2016

Bolsa sem valores – 8

Deixamos os passaportes no hotel e partimos pra farra. Por aí dá para se ter uma idéia de como éramos prudentes. O hotel era situado a poucos metros do prédio da Bolsa de Valores. Só que não sabíamos disso. Sabíamos que ali não passava carro e tinha vários bares. Paramos no primeiro, onde o dono era um chinês. Muito ignorante e bruto, por sinal.

Bebemos pra valer e depois enjoamos do ambiente, pois só tinha vagabundo e bêbado naquela pocilga. Resolvemos dar um upgrade no ambiente e saímos de lá em busca de outro mais alegre. Eis que tinha um bar, que era mesmo na esquina com a Bolsa de Valores. Lá só tinha o pessoal engravatado, com suas namoradas e amigas também bem arrumadas. Falei pra Zuma que aquele era um ambiente melhor pra sujeitos como nós, que estávamos indo pro Canadá. Comédia.

Pegamos uma mesa que esvaziou, bem perto da calçada. Eu já estava meio embriagado e Zumel completamente. Só fazia rir. Eis que vem um caminhão de lixo e não tinha como ele passar no espaço que desejava, somente se afastássemos a nossa mesa. Os bichões da Bolsa ao ouvirem o pedido do motorista do caminhão de lixo, mandaram o motorista dar a volta, pois ninguém ia afastar porra de mesa nenhuma. O motorista ameaçando botar o caminhão por cima e eu e Zumel no meio do tumulto.

Eu preferi lidar com os bichões da Bolsa, em vez de lidar com o peso do caminhão e mandei Zumel sair daquela merda de mesa. Fui lá pra perto dos bichões. E eles gritando pra Zumel não sair. Eu já não dizia mais nada, queria mais que ele se fudesse pra deixar de ser burro. Quando ele tomou um gole e se levantou, o caminhão passou por cima da mesa.

Diante dessa adrenalina toda, Zumel ajeitou a mesa e tomamos mais algumas e fomos embora, ainda escutando os cochichos dos bichões da bolsa, dizendo que nós éramos frouxos, éramos pra ter enfrentado o caminhão. Bando de filho da puta. Eles mesmo não chegaram nem a 3 metros de distância do caminhão, mas davam corda pra que ficássemos. Acho que queriam ver a gente morrendo, pra completar algum ritual macabro de comemoração de alguma alta do índice Bovespa. Vai saber.

Voltamos pro hotel com uma fome monstruosa e com o catálogo telefônico de São Paulo nas mãos, resolvi pedir uma pizza delivery. Acostumado com Natal, olhei somente os anúncios grandes e liguei. Todas se recusaram a entregar naquele endereço, alegando ser muito longe. Ora, se o cara ligasse pra uma pizzaria em Ponta Negra e mandasse entregar em Morro Branco, os caras iriam. E isso pra mim era longe pra caramba. Mas lá em São Paulo era diferente. Liguei pra umas 30 e nada. Já comecei a ligar de sacanagem, pra irritar os caras. No fim, fui dormir com fome. Puto da vida. Zumel então pergunta se eu acabei de usar o telefone. Ao receber minha afirmativa, pede pra usar o mesmo e vai pra dentro do banheiro com o aparelho. Ele entrou na banheira com o telefone e eu fui dormir escutando os risinhos de rapariga ruim e declarações de amor.

Quando acordamos, tomamos café da manhã e fomos pagar a conta pra poder ir pro aeroporto. Como não havíamos tocado naquele frigobar, esperei somente a formalidade da menina de fechar o quarto, que já estava pago antecipadamente e pronto. Eis que vem a conta, 150 reais. Quando fui olhar, era o telefonema que o puto tinha dado quando eu tinha ido dormir. Tratava-se de uma rapariga que ele tinha e que ficou de viadagem noite adentro, numa ligação interurbana.

E pra completar a cara de pau, ainda queria que eu rachasse a despesa com ele. Não tinha cabimento, quase o preço de duas diárias do hotel somente de telefone. Fui embora procurar um taxista, que cobrou 50 reais pra nos levar até o aeroporto, flat rate. O bicho ficou puto, não falou comigo durante o trajeto.

Wednesday, October 5, 2016

Paulicéia desvairada – 7

Foi o desgraçado fechar a boca e eu agarrei nas minhas duas malas e atravessei a rua correndo, pra outra calçada, onde tinha um táxi parado. Todos os meus pertences estavam ali e eu segurando com tanta força aquela mala, só me lembrando do velho agarrado ao assento do avião. Arrumamos as malas como deu e saímos dali voando, tentando responder ao motorista que não éramos doidos por estar naquele local com quatro malas, dando sopa. Pagamos a fortuna do taxista, que por sinal não estava no orçamento de Jajá, e entramos no hotel já com o prejuízo absorvido.

Dormimos bem e no dia seguinte, saímos em disparada pro Consulado Canadense, que na época se situava na Avenida Paulista, pouco depois do MASP. Mas como chegar naquela porra? Lá se foi o falecimento de mais algumas notas de Real pra um novo taxista. Fui na frente e ao dizer qual era a nossa missão, o taxista entregou uma foto com um santo e uma prece atrás pra ser lida toda as vezes em que estivéssemos em dificuldades. Era o Santo Expedito, que sempre ajudava-o nas causas mais difíceis.

Agradeci ao motorista mas fiquei encucado. Se aquele galado daquele taxista estava achando uma causa difícil nós obtermos o visto canadense, o que diria o outro corno que iria carimbar o passaporte? Se o motorista era um brasileiro como nós, um nordestino honrado (?), estava pondo em prova o final feliz dessa história, o canadense então iria nos trucidar. Não passei essa preocupação pra Zumel, que como um abestalhado estava perguntando o nome dos lugares por onde passávamos ao taxista. Eu queria lá saber nome de porra nenhuma. Minha preocupação era poder embarcar.

Marcamos de encontrar com o despachante, que trabalhava pra STB, a agência por onde estávamos viajando, com passagem com preço de estudante, do nosso amigo Maninho (700 dólares na época). Chegamos no Consulado Canadense, a praga ainda estava fechada, talvez chegamos antes, não sei. Ficamos perambulando pra cima e pra baixo na Avenida Paulista e em alguma galerias pra passar o tempo. Gastar alguma coisa, nem pensar. Então encontramos o sujeito, um negão de quase dois metros de altura. Sorridente e confiante. O Consulado abriu e tínhamos que bater foto pra poder adentrar naquele palácio. Nunca tinha visto um negócio daqueles. E o crachá já saia na hora.

Entramos esmagados pela moral dos canadenses. Mandaram que a gente sentasse num lugar que apontaram e ficamos ali esperando. E eu não via o negão conhecer ninguém ali. Daqui a pouco chamam o nome da gente. O negão faz sinal pra que esperássemos. “Porra é essa, Zumel?”, eu quis saber. A gente sai lá de Natal pra cá, pra na hora que chamam a gente, esse cara vai lá e nem vão escutar o que a gente tem pra dizer? Daqui a pouco caminha o negão, com os passaportes na mão e os vistos concedidos. Todo risonho.

Eu só pensava nas diárias do hotel que tivemos que pagar. Tudo em vão, pois o negão nem precisou da gente. Pensava no que iria dizer pro meu pai. Que eu iria ter que inventar uma entrevista fictícia e interrogatória, que eu só me dei bem por causa da minha retórica refinada. Foi quando, no meio dos meu devaneios, escutei um grito: “Bora, galado, quer que eles mudem de idéia, é?

Era Zumel com medo. Fomos embora e falei pra ele: “Sabe de uma? Vamos tomar uma pra comemorar essa porra. Nem quero saber quanto vamos gastar. Afinal, o que é um peido pra quem está já todo cagado?” Lá se foi outro táxi. Agora com visto canadense, eu já me sentia rico. Associação mais estúpida não poderia existir, mas assim foi. Porém, não se sentindo tão rico assim, pois o visto era canadense e não americano, mandamos o motorista tocar pro hotel, uma vez que acharíamos um bar ali perto pra não ter que morrer em outro táxi quando acabasse a bebedeira.

Wednesday, September 28, 2016

Liso, leso e louco – 6

Eu possuo uma teoria hoje em dia, mas naquele tempo não havia formulado ainda. Ela consiste no preceito de que quando você tem dinheiro no banco de sobra, você está protegido contra os desprazeres da vida, como um pneu furar, o carro quebrar, uma batida, até mesmo a ter uma unha encravada.

Por outro lado, se uma pessoa estiver com pouco dinheiro, tudo acontece pra varrer este minguado numerário pra longe de você. Ou pior, caso você não tenha nenhum, a desgraça é maior ainda, pois terás que viver endividado e com dores. O que ocorreu foi que pra nós, o visto tinha que ser encravado em algum pedaço de pau lá pelo consulado canadense, ao invés de sair de maneira suave. Pediram uma entrevista e queriam nos ver pessoalmente em São Paulo. Puta que pariu, mais duas diárias de hotel na terra da garoa somadas no nosso orçamento, pro total desespero do velho Jajá.

Combinei de pagar uma diária e Zumel ficou de pagar outra. O nosso amigo Doido Kiko, que hoje atende pelo nome de Magno e é um alto bichão da Fundação Getúlio Vargas no Rio de Janeiro, tinha um amigo chamado Ramon, que por sua vez tinha uma agência de viagem e nos conseguiu um preço camarada. Custava 80 reais cada diária, me lembro até hoje, no hotel Othon, no centro de São Paulo. Só pra se ter uma ideia, a minha bolsa do CNPq era de 240 reais por mês (O salário mínimo da época). Três diárias e eu gastaria minha bolsa inteira.

Sem pensar nisso, pegamos o nosso avião da Fly, uma companhia aérea que desapareceu da mesma forma como apareceu, voando. Pegamos é uma forma de dizer, pois eu cheguei atrasado e Zumel ficou praticamente segurando a porta do avião com uma mão e com a outra mão segurando o braço da aeromoça, para que me esperassem. Ou ele estava com medo de ir sozinho ou gostava muito de mim. Como não acredito nessa ultima razão, acho que o puto estava se cagando de medo de ir sozinho.

O detalhe era que esse avião mais parecia um onibus daquele que fazia a linha Natal-Patu. Só faltavam as aves (galinha, papagaio, canário, etc), mas o resto era igual. Tinha um sertanejo, vestido e paramentado de sertanejo mesmo, com toda a indumentária que você veria num filme de Lampião, com a mala retangular de couro surrado meio das pernas e estava do meu lado, dando a impressão que era um conhecido meu. Ele estava com tanto medo de voar que se segurava na cadeira de forma tão agressiva que quando se levantou quase que leva junto com ele o assento. Zumel, com aquela cara de Mister Bean dele, disse pra mim, olhando bem no rosto do senhor: É, cachorrão, o nordestino é antes de tudo um forte.

O senhor começou a fazer perguntas e eu batendo um agradável papo com ele e Zumel. No fim das contas, o papo que eu bati com ele fez com que a viagem fosse mais rápida. Ele estava começando um negócio de ir à São Paulo comprar camisas pra vender no nordeste. Alem de forte, era um empreendedor, Zumel deveria acrescentar na sua frase. O voo foi tranquilo e chegamos em São Paulo sem maiores problemas.

O amigo de Kiko nos deu um panfleto com o nome de uma empresa de onibus que fazia o trajeto aeroporto de Guarulhos-hoteis. Disse que só era procurar esse onibus, colocar as malas dentro e pagar acho que 9 reais, que o motorista iria fazer um tour pelos hotéis. Quando a gente visse o nosso, pediríamos pra descer. O negócio foi que aquele era um papo furado. O onibus foi até uma tal de Praça da República e por lá parou. Incrédulos, começamos a observar o motorista esvaziar o compartimento de bagagens, inclusive as nossas quatro malas. E já estava escurecendo. Descemos correndo do onibus e fomos ter com o filho da puta do motorista, que nos disse, sorrindo, que era bom a gente desaparecer logo dali pois aquela praça era cheia de ladroes e muito perigosa.

Wednesday, September 21, 2016

Esquina que muda tudo – 5

Eu comecei contando como desisti da vida academica. Vou contar como fui parar tão longe pra descobrir isso. De repente, chega Miguel com uns folders e panfletos, de uma universidade no Canadá, chamada HEC (École des Hautes Études Commerciales), onde existia lá um sujeito chamado Allain Joly, que tinha feito doutorado com ele na Getúlio Vargas, em São Paulo e esse indivíduo estava chamando Miguel pra ir fazer o seu pós-doutorado por lá. Meu amigo Gustavo Zumel estava na sala comigo e eu disse: “Se fosse eu, ia na hora!!”. Zumel disse que iria também. Miguel então disse: “Usted tiene coraje miesmo?”. Nós reafirmamos e ele então disse que iria arranjar tudo e talvez até uma bolsa.

Zumel ficou tão empolgado quanto eu e saímos em busca das nossas famílias pra comunicar tal fato. Com os papeis em mãos, corri pra casa pra mostrar pro meu pai. O velho Jajá olhou, olhou novamente, passou a mão nos poucos cabelos, no sentido testa-nuca, olhou por sobre os óculos e largou a clássica pergunta: “Tu vai com que dinheiro mesmo?”

Pronto, era esse o meu maior medo: a falta de fundos. Eu enchi o peito e com a coragem única dos loucos varridos, dei um tapinha nas costas dele, que ainda segurava os papéis e me olhava de baixo pra cima, por entre os óculos e então eu disse, sem falhas e com a entonação de um canalha que está prestes a vender o Pão de Açúcar pra um turista: “Ora, com o único que sempre usei até hoje, o bom e infalível SEU!!!”

Eu não esperava, mas ele deu uma gargalhada, daquelas que só se dá quando alguém escuta uma coisa realmente engraçada. Depois dos 10 minutos rindo e segurando os órgãos internos com as duas mãos sob a barriga, ele perguntou se eu estava ficando esclerosado, pois devia ser sabedor da precária situação financeira que ele se encontrava naquele momento. Mas eu disse que a gente ia dar um jeito, apesar de não ter a mínima ideia qual era a forma ou a cor desse jeito.

O plano era primeiro dominar o idioma de Charles Aznavour e só depois, aplicar pro mestrado em si. Vi então um alívio no seu rosto. “Então você vai estudar francês aqui na Aliança Francesa antes de ir”, perguntou meu velho. Eu falei não, esse francês aí é diferente, temos que estudar francês na própria universidade onde vamos aplicar e por coincidência, essa faculdade fica também no Canadá. Ele disse que podia desistir da ideia, pois não tinha a mais remota condição disso acontecer, a não ser que eu o ajudasse a assaltar uma agência de banco. Fomos dormir, e eu fiquei bastante desapontado, mas entendia a sua situação.

Quando acordamos, ele tinha mudado de ideia e disse que uma oportunidade dessas não pode ser desperdiçada e assegurou-me que arranjaria a grana, de uma forma ou de outra. O que fez esse homem mudar de idéia nunca ficarei sabendo. Ele levou com ele. O meu trabalho seria fazer o levantamento de todos os custos da viagem, desde o chiclete que ia mascar no avião até o copo de água congelado que eu não ia conseguir tomar no Canadá.

Nesse aspecto, Zumel estava na minha frente. Tinha um Jeep Engesa bastante cobiçado pela nata jipeira do Rio Grande do Norte e o colocou à venda, recebendo boa grana pelo automóvel. Então saímos em busca do que precisávamos pra obter o visto, papeis, cartas, passaporte e valores de tudo. Chegamos perto do dia 22 de Dezembro com quase tudo arranjado. Foi aí que veio o problema: o visto. Somente o visto. Um adesivo ridículo, com sua foto e seus dados pessoais, colados no seu passaporte, que já possui seus dados pessoais, mas que sem ele, você é persona non-grata no país que você pretende ir, se este país não possuir acordo com o seu país de origem que dispense o visto.

Wednesday, September 14, 2016

Reviravolta – 4

Na busca de uma ideia pra esse trabalho a ser apresentado no Congresso, fui conversar com vários professores. Um deles era um americano que lecionava na Universidade, chamado Wayne Thomas Enders, que acabou sendo meu orientador da monografia pois Miguel precisou se ausentar do Brasil pra fazer seu estágio pós-doutoral.

Fui encontrar com ele, que como todo americano, era objetivo e me sugeriu um tema de trabalho interessantíssimo, baseado em uma ideia de um amigo dele chamado Peter Dakowski. A ideia existia, eu teria que me aprofundar e estruturar aquilo como trabalho acadêmico. Fui atrás, fiz os levantamentos que precisava, embora o referencial teórico era de difícil equalização.

A ideia consistia no seguinte. Como Natal era o ponto mais próximo da Europa e mais próxima dos Estados Unidos do que os portos do sudeste brasileiro, Natal seria o pólo receptador dos carros importados. A ideia era aproveitar as carretas de carros que sairiam de Natal com os carros importados para abastecer o sudeste e usar essas mesmas carretas para trazer para o nordeste os carros fabricados no sudeste. Na época, as carretas que vinham com os carros fabricados no nordeste voltavam pra São Paulo vazias, onerando bastante o custo desse transporte.

Evidentemente, sabíamos da dificuldade política disso acontecer, mas para um trabalho acadêmico, me pareceu perfeito, até porque tinha muitos aspectos práticos e não somente os devaneios teóricos que tanto me davam náusea.

A data do congresso chegou e eu não tinha nada organizado ainda teoricamente, tudo que tinha era a ideia em uma folha de papel. Tudo bem, pois teria apenas que apresentar o trabalho oralmente. A apresentação tinha que ser simples, para uma banca de professores e alunos na plateia. Acredito que não gastei nem 15 minutos explicando a ideia, em compensação, passei uns 45 minutos respondendo perguntas. Uma pergunta gerava outra e por sorte, todas as perguntas que foram feitas, eu tinha as respostas.

Saí de lá arrasado. Fui massacrado, pensei. Fui pra cantina e descansei, após um fuzilamento de tantas perguntas. Bem, vida que seguiu. Passaram-se algumas semanas, e continuei indo pra base de pesquisas de Miguel todos os dias. Um belo dia, chega Miguel com aquele sorriso dele, segurando um negócio em um das mãos, com o sotaque boliviano dele, dizendo: “Ganhamos, rapaz, ganhamos!!!”.

Eu, genuinamente, não tinha a menor ideia sobre o que ele estava falando e perguntei, “ganhamos o que, homem de Deus?”. Ele finalmente explicou, após alguns momentos de suspense. Havia sido o prêmio de melhor apresentação oral do congresso na minha categoria, que eu havia ganho, o que me dava um troféu, que ele segurava em sua mão, balançando, feliz, e uma passagem para ir pra Brasília, defender o trabalho completo.

Minha primeira pergunta foi: “Ninguém nunca ganhou esse troféu aqui na sua base, hein? Pois agora saiba que tem um troféu aqui, carajo!!!”. Acredito que esse prêmio foi o que faltava pra cimentar de vez minha ida pro mestrado. Eu mostrei ali, mesmo sem saber, que estava mesmo disposto a seguir aquele caminho. Penso que ganhei o respeito de Miguel de vez naquele momento.

O ano era 1999 e nesse ano, como prova total do meu foco, decidi não participar do carnaval fora de época da minha cidade. Havia participado de todos, desde sua criação. E nunca mais participei de nenhum depois disso. Aí sim, meu pai acreditou que eu realmente estava falando sério.

Wednesday, August 24, 2016

Caminho de pedras – 3

Qual seria o caminho pra atingir esse objetivo? Me disseram, os mais sabidos, que eu deveria procurar um professor que tivesse uma base de pesquisa e dentro dessa base, eu deveria ajudar a esse professor com sua pesquisa, procurar apresentar trabalhos nos congressos, seminários e ser mais ou menos um mini professor. Mesmo sem saber onde estava pisando, comecei minha pesquisa pra saber quem seria o professor. O problema é que eu só tinha mais um ano pra fazer tudo isso, pois já estava me formando em breve.

Apareceram três nomes: professor Vidal Infante, professor José Arimatés e professor Miguel Añez. Fui conversar primeiramente com Vidal. Não andou a coisa e nem vou entrar em detalhes. Segundo, conversei com o professor Arimatés, cara que gostava demais e ainda gosto, e ele me explicou durante essa conversa que sua base estava completa, mas que eu poderia pleitear essa vaga no ano seguinte. Não dava. Fui então procurar o professor Miguel. Não o encontrei e então decidi me inscrever em uma de suas matérias, um seminário em negócios internacionais. Me chamou atenção logo seu método não muito ortodoxo de lecionar. Ele dizia que quem quisesse, ele passava, podia ir embora, mas só ficasse quem quisesse assistir a aula e participar de maneira positiva. Gostei. Fiquei.

Lá eu ficava conversando com ele após as aulas e numa dessas conversas indaguei sobre a base de pesquisa. Ele disse que estava cheia, mas se eu quisesse participar sem receber grana, ele tinha como me encaixar. Topei na hora. Segunda-feira a tarde estava lá. Era o único turno que eu não tinha aula. Não tinha mais ninguém. Eu perguntei o que fazer, ele me deu um livro e disse: “leia aí”. Ele saiu e fiquei lá, aproveitando o ar-condicionado e lendo. Olha que maravilha!! Tinha um computador ligado, naquela época de Internet discada, lavei a burra. Era lá que passava minhas tardes. Entre leituras, internet e ar condicionado. Isso estava ficando bom, pensei.

Foi então que surgiu tudo de uma vez. Haveria um evento na UFRN e eu teria que apresentar mini-cursos sobre gestão internacional. Durava 3 horas e era aberto pra quem quisesse, gratuito. Foi ali que perdi totalmente meu medo de falar em público. Evidentemente, combinei com alguns amigos, que estariam na platéia de propósito, deles fazerem perguntas difíceis, para que eu demorasse nas respostas e os outros não tivesse tempo de fazer muitas perguntas. Lembro de João Costa, que como sempre fez uma pergunta que envolvia Peter Drucker. Só a pergunta dele durou 5 minutos. Eu respondi qualquer coisa e ele concordou, tinha que concordar. Foi muito bom. Miguel também achou.

Na semana seguinte, quando cheguei na base, tinha uma aluna lá com Miguel. Ele disse, tenho boas notícias pra vocês. Consegui uma bolsa no CNPq, de um salário mínimo, mas como tenho vocês dois sem bolsa, vocês teriam que dividir a grana. E emendou: “mas, o nome do bolsista tem que ser um só. Você acha que deve ser no seu nome?” Perguntou ele à menina. Ela disse que tanto fazia, que ela não fazia questão. Nesses segundos cruciais eu fui pensando. Eu sabia que ele faria a mesma pergunta pra mim. E ele fez. Eu respondi, na cara dura: “acho que tem que ficar no meu nome!!”. Ele perguntou porque, já com um sorriso nos lábios. Eu disse: “Porque estou me formando em pouco tempo e quando eu me formar, ela pode continuar com a bolsa e passar pro nome dela”. Ela deu de ombros e ele bateu o martelo, a bolsa ficaria no meu nome.

Mal deu tempo de comemorar e de passar meus dados pra abrir conta no Banco do Brasil, pois o CNPq pagava a bolsa através do banco, Miguel chega com a notícia que eu teria que me apresentar num Congresso de Iniciação Científica que teria na Universidade em poucas semanas. O negócio era sério. Miguel disse logo, ninguém nunca ganhou um prêmio nesse congresso aqui na base. Isso me relaxou.

Wednesday, August 17, 2016

Adeus, academia!! - 2

Ele perguntou se eu aceitava uma sugestão. Eu acenei com a mão que fosse em frente e dissesse o que estava pensando. Ele então disse: “Por mais que eu queira um exército dentro da academia, eu não acho que você possua o perfil de um teórico, um acadêmico, um pesquisador, mestre ou doutor. Você é muito mais do que isso. Você é um empreendedor, um homem prático, de resultados, de correr atrás e vai se frustrar muito dentro desse nosso mundo, cheio de fantasias, teorias e ilusões. Siga sua vida na iniciativa privada. Nós precisamos de gente como você pra poder fazer a economia girar enquanto ficamos aqui dentro em cima dos livros e teorias. Vá, meu rapaz, e depois me conte se eu estava certo ou errado!!”.

Eu estava sentado e fui descendo na cadeira, escorregando a bunda, quase caindo da cadeira, enquanto ele falava. Aquilo era o peso que eu estava tirando das costas. Mil e quinhentos quilos saíram dos meus ombros e ele foi sorrindo enquanto eu comecei a mudar minha expressão facial. Eu sorri também, inicialmente e logo depois comecei a gargalhar!! Dei um abraço no velho mestre e parti dali com a plena certeza que o mundo acadêmico não era pra mim.

Sempre busquei, até hoje, fazer as coisas que me despertavam paixão. Nunca quis fazer o que os outros estavam fazendo. Não pra querer ser diferente, pois querer ser diferente por apenas ser diferente já é uma coisa igual a muitos. Eu queria fazer o que fazia meu coração palpitar. Por isso gosto tanto de música. É a forma de arte que mais me emociona. Quadros, esculturas, arte moderna, isso não me diz nada. E não me vejo como um ignorante por pensar assim. Ignorante é o sujeito admirar algo à força, pra demonstrar uma falsa erudição. Admira o que tu quiser, malandro, o que te faz chorar. Me chame pra ir a um show, nunca a um museu. Literatura e cinema vêm em seguida, após a música.

Entrar no mundo acadêmico nunca me despertou paixão. Entrei por necessidade. Iniciei minha vida como nano empreendedor. Tive uma fabriqueta de gelo, um jornalzinho teen e uma lanchonete em uma loja de departamentos do Natal Shopping, na primeira metade da década de 90. Todos esses em sociedade, e mesmo não tendo o sucesso esperado, não me fez desacreditar em parcerias. Pelo contrário. Me fez aprender que precisamos ter sócios que comunguem das mesmas crenças, que possuam os mesmos objetivos e principalmente, que tenham o mesmo bolso que você.

Em meados de 1997, decidi fechar o último dos empreendimentos, a lanchonete e me dedicar à universidade, para pagar uma quantidade maior de matérias simultaneamente e terminar logo aquilo. Havia cansado da vida de empreendedor e queria um emprego. Mas qual? Não sabia, mas sabia que arrumar um emprego formado era mais fácil. Isso era óbvio. Comecei então a avançar no curso, pagando o máximo de matérias que podia (10 disciplinas, sendo 5 de manhã e 5 de noite, o que formava duas turmas de cachaça). Meu pai apoiou a ideia, como apoiava quase tudo que eu propunha e ele podia financeiramente, e lá me fui pra cumprir essa parte da minha vida.

A partir do segundo semestre de 1997 ao final de 1999, eu comi os livros com uma voracidade tão grande que se os livros fossem comida, hoje eu teria 500 quilos. Não teve nenhuma matéria dessas que passei com média baixa, todas com média entre 8,5 e 10. Realmente aprendendo tudo aquilo que eu achava inútil, mas que o diploma exigia. Fui um mentiroso eficaz, pois tinha que responder aquilo nas provas e trabalhos. Tinha um amigo que dizia que o sucesso vinha muito mais da disciplina do que da genialidade. Nunca esqueci disso. Quer disciplina maior do que se tornar especialista naquilo que você não acredita? Mas cumpri meu papel caninamente, sempre pensando como melhorar aquele status quo. Nesse período que tive a ideia de me tornar um professor, mais para ter uma fonte de renda certa do que por vocação. Achei cômoda a posição deles, falando e a gente engolindo. Taí um negócio bom? Pensei.

Wednesday, August 10, 2016

Lata de lixo - 1

Acredito que setenta por cento do que li nos últimos 20 anos foram biografias. Das mais variadas, gente de esporte, música, gestão, medicina, filosofia e por aí vai. Na minha vida inteira, nunca fui leitor de ficção. A vida real me fascina mais. Como dizia Belchior, a minha alucinação é suportar o dia a dia e meu delírio é a experiência com coisas reais.

O sujeito mais esperto irá perguntar: “E você acredita mesmo que existe realidade nessas biografias?”. Bem, concordo que a maioria delas é repintada com uma tinta mais bonita, aparadas as histórias mais escabrosas, consertados erros e enaltecidas muitas vezes decisões que foram feitas por sorte e elegem o biografado à guru e visionário, quando muitas vezes ele somente estava na hora certa e no lugar certo. Mas, mesmo assim, elas se aproximam muito mais da realidade do que uma ficção, que pretende imitar a realidade com suas personagens e nomes que se parecidos com a realidade, são mera coincidência.

Isso é uma discussão que não estou interessado em entrar no momento, o fato é que eu prefiro as biografias e se eu fosse contar minha história, o faria usando da mais pura sinceridade, mostrando onde errei e onde acertei, para que o leitor pudesse aprender com minha experiência de vida. O espertão irá falar também: “Quem és tu pra fazer uma biografia?”. Eu sou uma pessoa e acho que cada pessoa tem uma história de vida interessante, caso tenha aprendido com a vida. Um idiota pode até ter tido uma história interessante, mas nem ele sabe disso.

No curso de mestrado, já no último trimestre, fiz uma disciplina com o professor francês Alain Chanlat, chamada Ciências Humanas. Nessa disciplina, digna de um verdadeiro mestre, ele traçava um histórico de toda a existência humana, englobando os tópicos a seguir, um pra cada aula: genética, o cérebro, os reflexos condicionados e nervosos, a etimologia, a linguagem, o desenvolvimento neuropsicológico do bebê, a inteligencia, a afetividade, a socialização e as relações interpessoais.

Após cada aula, tínhamos que levar uma resenha sobre o que você aprendeu, antes de começar a aula seguinte. No final do trimestre, tínhamos que fazer um trabalho, com um fio condutor de todas essas aulas, além das nossas impressões pessoais. Passei uma semana fazendo este bendito trabalho, nas horas que dava, dormindo duas horas por dia, pois trabalhava para poder pagar meus estudos e viver. Li, reli, li mais uma vez, refiz umas cinquenta vezes. Pediu cerca de 15 páginas. Chegado o dia, entreguei. Mais uma semana para o resultado. O resultado seria dado em uma entrevista com ele, individualmente, no escritório dele, na universidade.

Logo que entrei, ele estava sentado, de paletó e sua inconfundível barba branca, somente com pelos no queixo, sem nada no bigode. Deu boa tarde e me mandou sentar. Fabiano, ele disse, está aqui o seu trabalho. Nada brilhante, nada sem nexo, trata-se de um trabalho mediano, que já recebi mil deles. A sua nota será um “A minus”, você discorda dela? Quis saber o mestre Chanlat. Eu, de certa forma aliviado, disse que não, que concordava com essa nota. Ele disse então estamos acertados, rasgou o trabalho e colocou na lata de lixo.

Ele disse que queria escutar minha história de vida. O que tinha feito eu sair do meu país e ir fazer mestrado no Canadá, que era isso que o interessava. O assunto do trabalho ele já sabia de cor e salteado. Que eu contasse tudo, ele teria uma hora pra ouvir. Ele escutava de olhos fechados, eu pensava que estava dormindo. Falei por muito tempo sobre o que pensava, sobre o que me fez ir pra lá, como fazia pra pagar a universidade, apartamento, comida, como eram meus pais, minha infância, família, tudo. Quando parei ele fez perguntas e obervações interessantes sobre o que tinha ouvido naquela narrativa, em que eu relatava a vida de um nordestino falando em francês.

Thursday, June 2, 2016

Miopia trabalhista perpétua

Nos dias atuais, o bombardeio de informações é tão maciço, que quase ninguém consegue mais separar o joio do trigo. De todas as direções, recebemos uma quantidade enorme de informações. Na verdade, tudo isso não passa apenas de problemas superficiais, que gasta o tempo e a atenção das pessoas para não se falar de problemas fundamentais. Mais ou menos como um sujeito que tem um câncer e em vez de fazer o tratamento adequado, com quimioterapia ou radioterapia, aplica-se uma pomada no pequeno corte que ele obteve ao tentar abrir uma lata, ignorando o que está matando-o.

Os Estados Unidos não seriam o país que são se não olhassem essa questão de maneira correta. O que moveu e move aquele país é a capacidade de oferecer trabalho aos que lá nasceram e mais a uma horda de trabalhadores vindos de outros lugares, de maneira legal ou não. Mas seria um milagre, essa oferta de empregos? Não, ela se deve simplesmente a uma flexibilidade nas relações trabalhistas. No Brasil, não há um setor sequer que procure abordar o tema, nem direita, nem esquerda, nem a Santa Igreja Católica, ninguém, uma vez que vigora em uma aberração chamada “Direito adquirido”, e quem se atrever a abordar o tema, não se elege nem a líder comunitário.

Esse “Direito adquirido”, se não interpelado de maneira firme, vai nos deixar Ad Eternum na mais completa vida terceiro mundana.

Os milhares de direitos dos trabalhadores são na verdade uma maravilha pra quem está empregado mas são os piores inimigos daqueles que precisam mais, ou seja, os que estão desempregados. Prestem atenção em um pensamento: todos os programas que existem supostamente pra ajudar e proteger os pobres, geram um efeito contrário!

E isso independe se quem os criou tinha ou não uma boa intenção. Porque nesses casos, temos sim os genuinamente bem intencionados, mas temos também os grupos de interesse por trás disso.

Dentre as enormes proteções pra quem está empregado, tome apenas uma como exemplo: o salário mínimo. Nesse caso, os grupos de interesses evidentemente são os sindicatos!! O bem intencionado inocente acredita que se tivermos uma lei que diz que um pobre coitado não pode ganhar menos do que 880 reais por mês, ele, como um ser bondoso e supremo, está protegendo o pobre trabalhador e este terá o mínimo assegurado.

Na verdade, com isso, ele está impedindo que quem não possua habilidade pra ganhar esse salário mínimo, não consiga ganhar nada. Isso é ajudar o pobre? Isso só diz ao empregador que ele não pode empregar uma pessoa que não tenha habilidade pra ganhar 880 reais, por exemplo, pois é contra a lei. O conceito do salário mínimo é altamente preconceituoso e excludente.

Uma secretária, que estudou o segundo grau, ganha 880 reais por mês. O cara que vai ser o jardineiro da sua casa não pode, por lei, ganhar 500 reais por mês. Ele nunca gastou um dia sequer na escola e está disposto, por vontade própria, a ganhar 500 reais por mês trabalhando de jardineiro.

Então esse cara vai ficar desempregado, sendo um ônus pro estado e pra sociedade em geral. Em outras palavras, esses 330 reais a mais que alguém pagaria ao jardineiro seria uma caridade, somente porque alguém decidiu que deveríamos pagar 880 reais a todos.

Mas caridade não pode ser imposta e o salário mínimo só gera mais pobreza e desemprego.

Tomemos como exemplo o caso das empregadas domésticas. Com o enrijecimento das leis que regem essa categoria, milhares de postos de trabalho foram extintos, pra nunca mais voltar. Ah, mas nos países de primeiro mundo também é caro ter uma empregada doméstica. É sim, verdade.

A única diferença é que, em países sérios, onde não há controle na negociação salarial, quase não existem empregadas domésticas fixas, mas aí é porque elas ganham quase o mesmo que o suposto patrão. Diarista é a forma mais comum por lá. Mas isso aconteceu não porque o governo estabeleceu um sistema protecionista dela e sim porque deixou a livre negociação entre dois adultos ocorrer.

O mercado e não o burocrata, decidiu que seria justo pagar 100 dólares por uma diária pra uma pessoa limpar a sua casa enquanto você está no seu trabalho. E se essa pessoa pedir 120 dólares, pois acha que merece, que se esforça muito, cabe a você pensar se quer continuar o serviço com ela ou não. Mas se o vizinho aceitar pagar 120 dólares e ela tiver mais 20 clientes pagando 120 dólares, ela quem não precisará mais de você. Engraçado não é, o que permite a livre negociação?

Assim como o sexo, onde dois adultos consentem em ter uma relação, o trabalho também deveria ser assim. Seria o mesmo que o governo interferir, por lei, como seria as relações sexuais entre os adultos que concordaram em ter aquela relação. Um juiz dizendo, mesmo que vocês dois queiram, minha filha, nós não deixamos, porque você é uma coitada e não sabe o que está fazendo. Mas ela quer, o sujeito quer, o problema é que o governo santo caridoso não permite.

O governo tem que existir pra corrigir as aberrações e não para se intrometer o que funciona pela ordem natural das coisas, como as relações sexuais saudáveis e as relações de trabalho entre uma empresa ou um patrão e seus funcionários.

Se eu ofereço por um serviço 100 reais e o sujeito aceita, o trabalho será feito e nós dois iremos ganhar. Se eu ofereço 100 reais por um serviço e o sujeito aceita mas o governo, mesmo não estando metido na negociação, diz que não, não ganhamos nem eu, nem o sujeito e nem o governo.

É difícil entender isso? Somente a flexibilização das leis trabalhistas será capaz de um dia alçar o Brasil ao posto de um país de primeiro mundo. De resto, é somente discutir a cor, a textura, o tamanho e a velocidade do raio da cilibrina.

Wednesday, March 9, 2016

O homem que não queria nada

Ele trabalhava sem nunca dar o melhor de si. Nunca se doava à nada do que fazia. Era daqueles sujeitos que apertava a sua mão como se estivesse pegando em algo gelado que se não soltasse logo, congelaria. Não gostava de elogio, e por isso nunca se esforçava. Não gostava de afeto, de conversa, de música, de livro, de festa, de bebida, não gostava de nada e nem de ninguém. Só gostava de jogar Candy Crush Saga e era isso que fazia quando não estava trabalhando. Ninguém conhecia nenhum membro da sua família, se é que ele já teve uma algum dia. Não tinha um escritor favorito, um artista, um ídolo. A única diferença pra ele entre o final de semana e a semana era que no sábado e no domingo ele não precisaria falar com ninguém, nem com o entregador de pizza, pois comprava pizza de supermercado mesmo, afinal, não via diferença entre a pizza congelada e a pizza feita num forno à lenha. Ah, e nos finais de semana, tinha mais tempo pra jogar CCS. Há muito tempo atrás teve uma mulher pela qual se apaixonou, mas por ele ser estranho demais, ela o deixou e ele ficou mais estranho ainda. Mas era calmo. Sua tristeza era triste mesmo, não fingia. Ter raiva e ter que argumentar ou lutar por seus direitos não estava nos seus planos e por isso a cabeça sempre baixa. Don Draper, de Mad Men, era o homem mais alegre do mundo se comparando com ele. Até que em um dia comum, em que ele acordou com calor, como sempre (nunca consertou o ar condicionado que quebrou pois não queria tratar com o cara que iria ajeitar a máquina), fez a barba, tomou seu banho frio, tomou seu café sem açúcar, comeu sua torrada com manteiga sem sal, pegou seu ônibus e chegou na empresa. Uma agência de publicidade estava lá filmando uma propaganda para a televisão. O diretor do comercial, um sujeito que tinha feito curso de cinema e que tinha um roteiro inteiro de um filme escrito, mas que não era beneficiado pela Lei Rouanet, reparou no sujeito que acabara de adentrar no recinto. O suposto cineasta, vestido como se estivesse num bar na beira da praia, como todo publicitário, deixou de prestar atenção na gravação do comercial e passou a reparar no sujeito. Ele se encaixava perfeitamente no papel principal do seu filme. Aquele, o diretor pensou, era o cara aonde a poesia morria. Ele parecia viciado em tristeza. Quase no fim do dia, quando acabaram as gravações, o diretor-publicitário procurou o sujeito e falou do seu filme. Ele recusou, lógico, disse que não tinha interesse. O diretor disse que ele iria ganhar um bom dinheiro caso o filme desse certo e que ele não teria que representar nada, somente teria que ser ele mesmo. Com muita luta, ele fez o filme sem representar, apenas sendo ele mesmo. O diretor teve o talento de captar toda aquela tristeza dentro da película. Ele não dizia nada, apenas olhava pra tela, olhava pra baixo, olhava a paisagem e bastava, quem assistia ao filme caía no choro. Uma tristeza que não gerava pena, nem compaixão, nem solidariedade. Gerava apenas mais tristeza em quem via. O filme foi um sucesso, o sujeito ganhou todos os prêmios que podia ganhar, mas nunca foi receber nenhum. Com o dinheiro que tinha ganho com o filme, somado com o que tinha juntado na sua vida franciscana, parou de trabalhar e mudou-se, para ninguém nunca mais encontrá-lo, embora ninguém soubesse onde era a casa que tinha o ar-condicionado quebrado. E o homem que não queria nada, teve tudo o que não queria e no fim das contas, sumiu deixando nada e nem ninguém para trás. Todos queriam uma entrevista ou um bate-papo com aquele homem. Alguns queriam tentar deixá-lo mais alegre, quem sabe um psicanalista, diziam outros. Tem gente que é assim. Vem ao mundo somente pra espalhar sua tristeza e uma tristeza tão triste, que todos batem palmas, porque queriam pelo menos ter a oportunidade de serem tristes assim, mas os outros não deixam. A tristeza alheia tem que ser respeitada, disse o diretor no epílogo. Felicidade não precisa, felicidade é bagunça, é chafurdo, é galhofa. A tristeza não, essa merece respeito!!

Thursday, March 3, 2016

Diálogo do criolo doido


O sujeito irritado com o Brasil.

- Não aguento mais esse país!!! É roubo pra todo lado, falcatrua, assaltos nas ruas, ninguém pode mais sair de casa!! Quero ir embora daqui!!!

Eu:

- Porque você não vai pro Canadá? É um ótimo lugar, vivi muitos anos lá e logo, logo, volto pra lá!!

Ele:

- Me arranje um emprego lá que eu vou!!! Vou na hora!!!

Eu:

- Rapaz, em primeiro lugar, eu não tenho agência de emprego. Segundo, você sabe pelo menos falar inglês ou francês?

Ele:

- Tá vendo? Você não me ajuda e nem sei falar essas línguas!!!

Eu:

- Você quer que eu arranje um emprego pra você e fique lá de tradutor? Porque você não começa um projeto de imigração, começando por entrar numa escola de línguas?

Ele:

- Não tenho tempo pra isso, além do que, não tenho mais idade pra aprender línguas!!

Eu:

- Cara, em primeiro lugar você tem que entender o que é morar fora do Brasil. Você não quer ir pra um lugar diferente dessa merda aqui? Então comece a mudar o seu jeito de pensar. Se quer ganhar em dólar com o sistema daqui, desista. Você quer ir com emprego garantido, que pensa que vai ganhar rios de dinheiro sem fazer nada. À la Assembleia Legislativa do RN. Não tem interesse em aprender pelo menos o inglês e aposto que não aceita encarar sub-empregos até se adaptar, não aceita fazer as tarefas domésticas, nem ao menos colocar gasolina no próprio carro, entre tantas outras coisas...

No final das contas, ele diz:

- Pois é, vai ter um show de Aviões do Forró sábado, tu vai?

Wednesday, February 10, 2016

O consumidor é uma criança mimada

Na Foto acima, tirada por mim, uma loja da Zellers sendo reformada pra se transformar em Target, na Erin Mills Road, em Missisauga. 

As hordas de brasileiros que viajam aos Estados Unidos adoram adentrar nas lojas da Target. Lá tem muita coisa interessante, não só para os consumidores brasileiros, mas também para os habitantes da terra do Uncle Sam.

A Target é a segunda maior empresa do gênero nos Estados Unidos, ficando atrás apenas do Wal-Mart, as lojas de Sam Walton. Sua sede é em Minneapolis, no Estado de Minnesota. Foi fundada em 1902, seu nome antes era Goodfellow Dry Goods. A primeira com o nome de Target foi aberta em 1962. Hoje conta com 1801 lojas espalhadas pelos Estados Unidos. É um gigante que fatura 70 bilhões de dólares por ano.

Por outro lado existia uma grande empresa do mesmo setor no Canadá chamada Zellers. A Zellers foi fundada em 1931, em Brampton, Ontário, Canadá. Foi vendida pra Hudson Bay Company, em 1978. Nos anos 1990, a Zellers chegou ao seu auge, com 350 lojas espalhadas pelo Canadá. O Walmart, no Canadá, é tido como o principal culpado da derrocada da Zellers, uma vez que esta não teve como competir com o gigante americano.

Eis que em 2011, a Target decide comprar a Zellers, que já havia sido comprada por um investidor privado. A Zellers tinha 220 lojas nessa época e a Target pagou 1 bilhão e 800 milhões de dólares pela empresa, sublocando os prédios à própria Zellers, que só viria a fechar as portas definitivamente em março de 2013, quando a Target começou a operar no Canadá.

Desde que cheguei no Canadá, tive o cartão da Zellers. Era como uma espécie de entrada pra se ter crédito. Eles davam pequenos créditos de 500 dólares, que ia aumentando caso o pagador fosse bom. Isso abria o nome do cidadão no Bureau de Crédito. Os produtos deles eram inferiores aos do Wal-Mart e os preços similares. O que a salvou por algum tempo foi de fato essa oportunidade de crédito aos menos favorecidos e imigrantes recém-chegados e o Wal-Mart sempre foi péssimo de crédito no Canadá.

Em apenas dois anos, no começo de 2015, a Target Canadá pediu concordata e fechou todas as lojas que tinha no Canadá. Alguns analistas dizem que entre 2011 e 2013, eles não tiveram tempo o suficiente pra se adequarem ao mercado canadense. Outros analistas dizem que o problema principal foi a questão da logística. Mas na verdade, um problema não exclui o outro. Nao tiveram tempo de preparar a logística.

Não existia uma viva alma que acreditasse que a Target iria quebrar a cara como quebrou. Mas aconteceu. O sistema de logística da Target afundou a empresa, simplesmente porque não tinha os produtos nas prateleiras do lado canadense da fronteira. E sem os produtos, como o consumidor comprar? Hoje em dia, o consumidor não é mais aquele que fazia fila na frente das lojas pra comprar um quilo de açúcar. Hoje em dia, todos tem o açúcar e o consumidor não tem mais tempo pra esperar.

Mas como pode uma empresa experiente e bem-sucedida como a Target não saber disso e eu saber? Lógico que ela sabia. O que não sabia é que não teriam tempo pra se ajustar à uma realidade que não conheciam, apesar de serem dois países vizinhos e de mentalidade quase similar.

O sistema de logística, ou o cerébro desse tipo de operações, é quem diz o que tem na loja, o que pedir, o que vende mais, o que vende menos, quantos dias antecipadamente pedir pra não faltar, e tudo o mais. Outro dia fui numa banca em João Pessoa e observei um vendedor da Sousa Cruz fazendo um pedido de cigarros, com seu tablet na mao. Ele ia perguntando e o dono da banca ia dizendo: 6 hollywoods, 5 Carlton, 8 Minister e etc. O dono dessa banca é o sistema de logística dele, simplisticamente falando. Se ele não tiver lá, os cigarros vão faltar ou não chegar a tempo ou ficar sobrando, empatando dinheiro à toa.

Agora imagine isso pra uma cadeia com 127 lojas, com milhares de produtos em cada uma. Sem um sistema desses de logística, como pode dar certo? A logística é um fator chave de sucesso e derrota das empresas nos dias de hoje. Quanto de estoque devo ter? Qual o estoque mínimo? Está o consumidor disposto a esperar vários dias por um mercadoria, caso eu não a tenha naquele momento? Esse equilíbrio é essencial.

O fato é que o sistema usado na Target nos Estados Unidos não funcionou no Canadá, por questões de medidas, língua, moeda e outros trique-triques. Não teriam tempo de fazer as adaptações necessárias e decidiram optar por um usar um sistema que já vinha dando problemas de implementação às empresas canadenses.

Começaram do zero. Mas o sistema canadense, que na verdade é alemão, só funcionava com muita informação sobre cada produto, o que levava muito tempo pra preencher e tinha que ser feito manualmente. Se não estivesse tudo completinho, o sistema não operava. Outro problema, ninguém sabia operar o sistema de forma correta. Além disso, o pessoal contratado pra preencher esses dados manualmente, não faziam de forma precisa, o que gerou um problema ainda maior. Colocavam qualquer coisa só pro programa aceitar e irem em frente, como dados repetidos.

O que aconteceu como resultado foi um caos total. O que aparentemente são coisas simples de resolver, viraram o calcanhar de Aquiles. Alguns exemplos. O produto vinha dos Estados Unidos em polegadas, o sistema canadense é métrico. A conversão apressada ou a ausência delas fez com que os produtos não coubesse nos caminhões, containers e prateleiras da maneira como era calculado. O peso vinha de lá em libras e o Canadá trabalha com quilos. Outro problema. As papeladas de importações eram preenchidas com esses erros de medidas e peso e os caminhoes e navios ficavam parados com a mercadoria dentro e consumidor final esperando. Esses foram alguns exemplos mas vocês já perceberam aonde quero chegar.

No inverno de 2005, trabalhei no Warehouse da GAP, que envolvia as operações da GAP, Old Navy e Banana Republic, todas da mesma corporação. Lá eu pude ver um centro de logística por dentro, em todas as suas fases. As roupas chegavam de um lado do galpão, vindas dos fabricantes, geralmente de países de terceiro mundo asiáticos. Os funcionários tinham que desembalar essas caixas, que vinham, por exemplo, 50 camisas verdes, de gola em V, tamanho M, da GAP. Dali iam pra um local onde outra equipe já tinha os pedidos das lojas prontos. Loja 1 queria 3 camisas dessas, mas queria tantas amarelas, tamanho P, outras vermelhas tamanho G e por ai vai. E queriam também da Old Navy. E da Banana Republic.

Depois essas novas caixas criadas com os pedidos das lojas iam pras esteiras, que já iam pros pallets, que iam pros caminhoes que iam levar pra determinadas regiões. Ficavam uns 8 caminhões com as portas de trás abertas, um frio infernal, e os caboclos enchendo. E se não tiver o funcionário treinado pra operar o software em cada etapa? E cuidar para que fisicamente aquelas caixas estejam em determinado pallet, que cada caixa esteja com as peças corretas? O negócio para mesmo. E parando, ficam os caminhões lá fora, recebendo hora extra, podendo até perder o navio que vai mandar pra outro lugar. Tudo tem que trablhar correto.

Uma empresa, não importa o tamanho dela, não pode deixar o consumidor sem o produto à sua disposição. Sem o produto, o vendedor não pode fazer milagre e muito menos fabricá-lo ali na hora. Seja fabricante, seja revendedor, o produto tem que estar ali, brilhando, lindo e maravilhoso, pra essa criança mimada que não pode esperar chamado consumidor.

Se abrir as portas pra um determinado mercado, abra com produtos à disposição, caso contrário, essas portas serão fechadas antes mesmo de você saber o porque. Lembro sempre que a lanchonete Pittsburg, em Natal, sempre tinha o que se pedia, enquanto que o Sandunas, sempre faltava algum ingrediente. Quem é de Natal sabe o destino das duas empresas. Hoje em dia, pra piorar, o boca-a-boca não é só de um pra outro, nas rodas de amigos, é online e nas redes sociais.

Fabiano Holanda, João Pessoa, 10 de Fevereiro de 2016.