Saturday, August 8, 2015

Molhando os pés na água

Em março de 2000, mesmo tendo ido e estar morando na mesma casa de Zumel, parei de vê-lo. Ele arranou uma namorada e praticamente se mudou pra casa dela. Não fiquei nem sabendo quando ele voltou pro Brasil. Eu sei que eu voltei no fim de março, quando a primavera chegava com seu esplendor nas ruas de Montréal. Justiça seja feita, Montréal é uma das cidades que se dá muito bem com a primavera.

Com o pessoal do francês e Rosel, grande amigo que fiz por lá, fui conhecer a famosa celebração de Saint Patrick. Cervejas com coloração verde e muita animação. Foi com isso na cabeça que deixei Montréal, doido para voltar e ficar lá de vez. O Brasil havia perdido completamente a graça pra mim. Morar lá era uma coisa que não passava pela minha cabeça. Hipotese zero. Montréal havia me conquistado com suas cores, cheiros, charme, inverno, primavera, grandiosidade e uma certeza que eu tinha que conhecia aquele lugar não sei de onde.

Nas noites em que eu passava na casa do Padre Pierre, eu tinha disponível no meu quarto um rádio-relógio-despertador. Eu me sentava na escrivaninha e ia fazer, apagar e refazer os exercicios de francês, o estudo do passé composé, e toda essa onda. Um belo dia, resolvi ligar o bendito rádio. Estava sintonizado numa estação AM. Quando liguei, tocava uma música chamada Get Together, dos Youngbloods. Caramba, chega deu arrepio agora. Voltei ao inverno de 2000. Bem, se eu disser que me lembro o nome da rádio, estarei mentindo. Só sei que outras músicas vieram e eu gostei de todas. Peguei um durex e colei no seletor pra não mudarem a rádio, algum desavisado. E essa rádio passou a ser minha companheira. Dormia e acordava com ela.

Na casa do Padre Pierre tinha de tudo e do melhor. Foi um presente de Deus. Íamos às missas no Oratório St-Joseph aos domingos, pois o Padre Pierre trabalhava lá. Fomos no cume da Igreja, o que é proibído, mas como ele tinha a chave, tivemos acesso. A visão lá de cima é a mais bonita da cidade. Fomos também conhecer Ottawa e uma fazenda da Igreja Católica, onde? Nao tenho a menor ideia. Mas foi com direito à lareira, vinho e tira-gosto à noite toda. Aqueles religiosos sabem viver.

Existia um bar chamado Les Bobards, onde acho, até hoje tocam música brasileira aos domingos, na Avenida St-Laurent. No meu último finao de semana em Montréal, depois de uma festa na casa de um brasileiro no Plateau, fui com um cara chamado Celso Mirres e um peruano chamado Lúcio, para o Les Bobards. Lá jogamos sinuca e bebemos muito. Os caras pagaram. Eu já estava liso. E conversando, comentei com Celso dos meus planos de voltar à Montréal para fazer o mestrado. Ele disse conseguir emprego pra mim e que eu poderia ficar na casa dele até me organizar. Nao botei fé, mas mesmo assim guardei o e-mail dele.

Fui ao Brasil me formar, peguei o diploma e precisamente no dia 5 de setembro de 2000, eu voltava pra Montréal. Escrevi pra Celso nesse interim, ele manteve a palavra. Avisei quando chegava, ele disse: “Ok, Paraíba, te pego no aeroporto”. E lá estava ele no dia 6 de setembro quando cheguei, numa manhã congelante, no aeroporto Pierre Eliott Trudeau International Airport, em Montréal, que na época era chamado de Montreal-Dorval Airport International Airport.

Portava roupas de trabalho e disse, “Paraíba, tu não disse que queria trabalhar? Vamos trabalhar!”. Dali, partiu pra Ville de St-Laurent onde ficava a fábrica Edicilble, que ele trabalhava como operador de máquinas. Minha função seria de faz-tudo.

Era uma gráfica gigante, basicamente. Tinhamos que montar caixas, empacotar panfletos, retirar pacotes de livros quando prontos, ou seja, um trabalho bem intelectual. O tempo simplesmente não passava e como eu não tinha permissão para trabalhar, eu o fazia de forma ilegal. Para isso acontecer, eu trabalhava pra uma agencia de um árabe, muito simpático. Ganhava 5 dólares por hora e ainda descontavam o almoço, ou seja, ganhava 37 dólares e 50 centavos por dia. Multiplicado por cinco, dava 187.50 por semana, 750 dólares por mês. Eu tinha que sair dali. Esse dinheiro dava enquanto eu morava de favor na casa de Celso, mas eu queria ir pro meu lugar. Estava ficando desesperado, até que ocorreu um fato que apressou essa minha decisão.

No auge do meu cansaço, vi uma pilha de livros na minha frente. O cerebro ordenou para que eu fosse pegar e colocar em uma caixa. Quando eu estiquei os dois braços pra pegar a pilha de livros, ouvi um grito, como o amigo índio que avisou Kid Morengueira do perigo, e recolhi minhas maos instintivamente. Senti ainda o vento da guilhotina que desceu para aparar as arestas dessa pilha de livros. Naquele momento, entendi que meu muito enriquecedor período de trabalho ali tinha chegado ao fim.

Mas antes disso, logo que cheguei, uns dois dias depois, um pessoal amigo de Celso havia ganho um sorteio num bar chamado La cage aux sports. Eram quatro tickets, que davam direito à uma viagem de Montréal à Hamilton, Ontário, no trem, junto com o time de futebol de Montreal, Les Alouettes. Pegamos o trem na Gare Centrale, junto com o time, e fomos no vinho até o destino final, sete horas depois. Chegando lá uma grande festa, ganhamos o jogo e apareci até na televisão apertando a mão de um dos jogadores. Momentos alegres que antecederam momentos de muito trabalho e seriedade.

Thursday, July 9, 2015

Quebrado e feliz

Aos 24 anos de idade tudo é aventura. Eu vivia de um salário mínimo como bolsista do Cnpq e uma parca mesada do meu velho pai. Meu plano inicial no começo de 1999 era fazer um mestrado na Fundação Getúlio Vargas ou USP. Juntei-me à base de pesquisa do professor Miguel Moreno na UFRN para melhorar meu curriculum acadêmico (e também para ter acesso ilimitado à Internet, que naquela época pagava-se por minuto discado, qualquer economia valia), ministrei mini-cursos e oficinas, apresentei trabalhos em congressos científicos, onde recebi prêmio de melhor apresentação oral com um trabalho sobre o porto de Natal ser equipado para receber os carros que vinham da Europa e Estados Unidos. É, não é de hoje que se pensa em usar a localização geográfica de Natal para se obter vantagens logísticas. Os americanos já o fizeram na Segunda Guerra e eu tentei fazer em 99.

Os planos de fazer mestrado no Brasil naufragaram quando o nosso líder da base de pesquisa, professor Miguel, anunciou que iria fazer o seu pós doutorado em Montreal, no Canadá, na HEC Montreal, onde a elite de negócios francófona toda passava por seus bancos. Ele perguntou se eu não queria ir fazer meu mestrado lá. Lógico, tudo por minha conta. Cheguei em casa animado, meu pai não ficou, estava em condições financeiras precárias na época, mas depois cedeu. Os guias espirituais dele devem ter aconselhado: manda teu menino embora, isso aqui só vai piorar!!! Arranjei dinheiro com um, arranjei dinheiro com outro, pra visto, passaporte, passagem (Obrigado Teco, Gagau e Alberto) e fui embora pra Montreal nos últimos dias de 1999, carregando 220 dolares no bolso e muita coragem.

A passagem havia sido 700 dólares na STB de Maninho. Gustavo Zumel, meu comparsa de UFRN veio também com os mesmos planos. Vendi até uma mortalha que havia comprado pro Carnatal, estava mesmo focado. Vínhamos pra tentar aprender um pouco de francês, curso de três meses, que custou outros 1600 dolares a menos nas já combalidas finanças de Jajá. Com o diploma desse curso, a aceitação no mestrado era mais fácil. Ou seja, esse investimento todo inicial não era garantia de nada, pois se a universidade não nos aceitasse, seria em vão tanto sacrifício. O que aconteceu com Zumel. Eu fui aceito, ele não, o que diminuiu muito minha motivação.

Em quatro dias em Montreal, pagando o táxi do aeroporto, hotel e alimentação, meu dinheiro acabou. Papai se virou e arrumou mais um pouco e no décimo dia, depois de muita confusão, conseguimos uma hospedagem em uma casa da Igreja Católica, com o padre Pierre, que dava um quarto individual e três refeições e lanches, tudo por 300 dolares mensais. Almoçava numa pizzaria onde duas fatias e uma Coca-Cola custava 5 dolares. O dono, um romeno da cabeça raspada, todo dia ria porque eu misturava ketchup e maionese na pizza. O passe mensal do metrô custava 45 dolares. Eu não almoçava na casa do padre, pois demoraria ir e voltar e o curso de francês era intensivo, o dia inteiro socado na Universidade de Montreal. Restaurante e saída à noite nem pensar. No máximo, uma caixa de seis cervejas, que custava 9 dolares, pra beber em casa ou na casa de algum amigo do curso. Parece duro, bem duro. E é. O liseu é desmoralizante. Inclusive descobri muitos anos depois que os conceitos sobre riqueza são flutuantes. Naquela época, rico pra mim era quem frequentava restaurantes.

Mas, entre estar liso em Natal, no calor, tinha mais graça pra mim estar liso em Montreal, no frio e de casaco emprestado de Gustavo Sousa, da época em que ele morava no Arkansas. Não ter que escutar o forró, sertanejo e axé era também um plus. Alguns professores da UFRN apoiaram meu projeto e aliviaram nas faltas (obrigado Cassio Barreto, Julio Resende, José Arimates), mas outros atrapalharam e muito. Não citarei nomes pois sou um menino que não guarda mágoas por mais de três anos. Nos formamos em agosto de 2000. Ainda liso, e devendo, não me inscrevi nos festejos de formatura.

Daniel Pinheiro, organizador, disse que era pra eu ir mesmo assim. Não fui.

Esse período inicial de três meses em Montreal me trouxe quatro conceitos que ficaram pra sempre na minha personalidade, que não tem dinheiro que pague. 1) - Aprendi firmemente o conceito de pontualidade e principalmente, 2) A idéia de que causa e consequência realmente funciona em lugares sérios. Mas, mais importante, 3) - Aprendi que se você correr atrás, as coisas começam a acontecer mesmo sendo demais pra você acreditar!! Por fim, 4) - O gosto da falta de independência financeira é muito amargo e as vezes por isso nossa história pode ser bem diferente. Os ricos da classe de francês iam esquiar, iam pra teatro, cinema, restaurantes, alugavam carros, ou seja, tiveram uma experiência muito diferente da minha. Mas eu tinha uma coisa que poucos tinham, uma vontade de vencer muito grande e isso poderia fazer uma diferença no final, afinal a corrida não termina no meio.

Monday, June 29, 2015

Decadência manufatureira



Entrei no setor de serviços no Canadá em meados de 2004, mais precisamente na província de Ontário. Primeiramente e por pouco tempo, no setor de entregas de eletrodomésticos e depois no setor de manutenção e limpeza comercial e industrial, até os dias atuais. Tinhamos uma abundância de trabalhos, por todos os lados. Escolhíamos preços e quando realizar o trabalho. O quadro que temos hoje em dia é bastante desestimulante, principalmente no setor manufatureiro. 

Quando as empresas tem lucro, elas precisam apresentar custos pra diminuir a conta de impostos. Quando não se tem esses lucros todos, não se pode contratar empresas de serviços, salvo as urgentes, pois passa a ser uma burrice tributária. Muitas empresas hoje em dia, grandes empresas, possuem grandes tambores de lixo nos corredores e os próprios funcionarios levantam no final do expediente pra esvaziarem suas próprias lixeiras. Isso gera desemprego pra quem prestava esse serviço anteriormente. Isso é apenas uma das facetas, mas os sinais estão por todos os lados.

Predominantemente, eu sempre tive contratos no setor manufatureiro. Esse setor corresponde por 170 bilhões de dólares ao PIB Canadense, e empregam cerca de 1,7 milhão de pessoas. Por coincidência, como frisei, eu adentrei na indústria justamente quando havia um declínio do setor manufatureiro. Entre 2000 e 2013, houve uma declínio de 14% do setor. No mesmo período, a economia canadense cresceu 37%. 

O Canadá enfrenta o problema geral da manufatura dos países do primeiro mundo, ou seja, a competição com países que possuem custos mais baixos de produção. Além disso, como o Canadá tem principalmente apenas um grande consumidor, os Estados Unidos, e eles estavam muito bem das pernas ultimamente, o fato acrescentou na crise manufatureira canadense. E mesmo com a economia americana dando sinais de recuperação, ainda vai ser relativamente devagar em comparação às economias emergentes.

Para agravar ainda mais o quadro, o setor manufatureiro canadense não está encontrando mão-de-obra qualificada, pois os engenheiros mecânicos, engenheiros eletricistas e engenheiros mecatrônicos que se formam nas universidades canadenses, estão todos conseguindo empregos nos Estados Unidos, onde os salários são mais altos e os impostos menos salgados. A equação é simples. Fazem universidade no Canadá, pois são mais baratas e depois descem em manada pro sul. Ou seja, a inovação não acontecerá por aqui.

Praxe tem se tornado que as empresas de serviços aceitem uma redução de 20 até 30% dos preços dos seus serviços, para se manterem abertas e funcionando. Com os preços do petróleo em baixa, a província de Alberta, onde está o óleo canadense, também está sofrendo. Por outro lado, existem grandes investimentos nas áreas de tecnologia de informação e saúde. Talvez seja esse o caminho.

O meu primeiro trabalho aqui foi em uma fábrica, ainda no segundo semestre de 2000. Na Ville de St-Laurent, perto de Montréal. O trabalho numa fábrica congela o tempo, ele não passa. O tédio e a repetição também pode impulsionar a turma a mudar de emprego sempre que podem, aumentando a rotatividade do setor. Acho que foi Bill Gates quem previu esse movimento de uma queda na manufatura Seja quem for, parece que está acertando, pelo menos no mundo ocidental americano frio.       

Sunday, April 12, 2015

Disco rígido




"Mother, should I run for president? Mother, should I trust the government? Mother, will they put me in the firing line? Is it just a waste of time?"

Pink Floyd

Eu tenho um pensamento totalitário. Sempre quero conhecer o começo, o meio e se possível, o fim das histórias. Se alguem está contando uma história e eu não conheço o começo, ignoro completamente, saindo de perto pra não me contaminar com aquilo. Agora se estou em uma conversa desde o início, há grandes chances de eu me interessar profundamente, mesmo que seja o assunto mais trivial possivel. 

Assim, me pego sempre querendo me lembrar qual seria o íncio da memória que está gravada no Hard Disc do meu cerebro. Tenho ciência de que morei até 1978, ou seja até os três anos de idade no conjunto Mirassol, em Natal, mas não lembro das coisas que ocorreram lá. Lembro das fotos e do que me contam, mas eu mesmo não lembro de nada. Um diálogo, uma briga, um evento significante, nada. 

Então nos mudamos pra uma casa nova que papai havia construído em Morro Branco e que eu iria morar nela até sair do Brasil, em 1999. A minha memória mais remota ainda não é de ordem visual, mas sim olfativa. Lembro chegando naquela casa e o cheiro de tinta entrando nariz adentro e fazendo com que eu ficasse apaixonado por aquela vida nova. A tinta parece, hoje, era o símbolo da mudança, de uma nova era.  
Novamente um hiato, como se precisasse de uma desfragmentação no HD, e minha memória seguinte pula pra casa da minha avó Vanda, no ano de 1979. Eu pulava de um sofá para o outro, animado, quando errei um desses pulos e caí, quebrando minha perna. Não sei se quebrou, mas sei que doeu muito, me levaram pro hospital e eu fui pra casa nova com a perna engessada. 

A partir daí, começam a aparecer mais coisas, o que deixa mais confuso ainda esse mapeamento. Não sei precisar o ano, mas vinhamos no nosso carro, eu, meu irmao e meus pais e meu pai decidiu parar na casa de um amigo, onde estava sendo realizada uma festa. Nessa casa, ele escorrega e cai em cima de um vidro, muito sangue saía de sua mão, foi pro hospital e a partir desse fato, nunca mais foi possível pra ele dobrar o polegar da mão direita. 

Tive um professor no mestrado chamado Allan Chanlat e ele dizia que a melhor forma de testarmos e observarmos as teorias sobre o comportamento humano são com nossos filhos. Minhas filhas completarão 9 anos da vida em junho próximo e converso muito com elas, buscando sempre essas informações e de fato, pude concluir que as lembranças das pessoas nos primeiros anos de vida parece que são apagadas quase que por completo. 

Talvez uma sábia providencia divina, ou da natureza como queiram alguns, para que não nos lembremos dos momentos embaraçosos que vivemos nessa época, onde por exemplo, faziamos nossas necessidades fisiológicas sem controle.

O mesmo me parece que ocorre quando nos aproximamos do fim da vida na velhice. Pra quem tem a felicidade ou infelicidade de viver muito, a memória vai sumindo aos poucos, para que esses momentos embaraçosos da velhice não sejam notados e muito menos para que não nos atormentemos com o que já passou ou lembrando de quem não está mais entre nós.

Concluímos assim que, falta de memória é uma benção divina, em vez de uma fraqueza, como pensam alguns. O desmemoriado vive sorrindo, vota novamente no PT, pega novamente a rua errada e sorri, não lembra de pagar suas contas e jamais mantém inimigos, afinal, o que foi que eles fizeram mesmo? O bom mesmo é ser bebê ou ser ancião, onde o HD não registra nada e mesmo assim todos gostam da gente. Perfeito mesmo se todos pudessem fazer uma formatação completa e recomeçar do zero quando quisesse. 

Fabiano Holanda, Oakville, 11 de Abril de 2015.  

Friday, April 3, 2015

Whatever gets you thru the night



"Life is what happens while you are busy making other plans".

John Lennon

Eu sou um homem de uma quantidade razoavel de amigos e alguns inimigos. Maneira de falar, foi só pra rimar. Eu diria desafetos de muitos anos atrás, que se não tiverem a minha memória, já esqueceram os motivos. Desafetos de uma Natal que não existe mais. Hoje a Natal que conhecemos é dos bandidos, que nos maltratam sem podermos fazer nada, estamos desarmados. Dessa forma, eu e os desafetos, estamos no mesmo exército, o dos desarmados.

Mas deixando os desafetos e os amigos de lado, eu tive o maior amigo que alguem possa ter tido, o meu velho pai. Ele morreu, deselegantemente, sem nem me avisar. Saiu à francesa. Combinamos, ele descumpriu. Eu disse que iria em dez dias, logo no terceiro ou quarto dia, ele se foi. A pressão arterial foi abaixando, minha mãe ligou e disse que ele não iria passar daquela manhã. Eu estava entrando no chuveiro pra ir trabalhar. Exagerada, pensei. Ela sempre foi exagerada. Dessa vez não foi. De toda forma, pensei em ir providenciar uma passagem aérea.

Indo pro trabalho, passava em cima de um viaduto que cobre a Queen Elizabeth Way, a Highway que liga Niagara Falls até Toronto. Esse viaduto dava no Boulevard Winston Churchill. Na verdade, era a saída da Winston Churchill na QEW. Guardadas suas devidas proporcoes, meu pai e Churchill foram grandes homens para quem os conheceu. No viaduto da Winston Churchill, meu irmao me liga chorando. Ele estava em Abu-Dabhi, nos Emirados Arabes, à trabalho. Chorando, ele repetia: “Papai morreu, irmão, papai morreu!”.

Depois eu fiquei pensando, será que os irmaos sentem o mesmo à respeito dos pais ou cada um sente de forma diferente? O fato é que me mantive sereno, sem dizer palavra. Entre choro, ele pediu que eu fosse andando pra nossa cidade Natal e que esperasse por ele pra poder enterrar nosso velho. 

Tivemos que embalsamar o meu velho. Aquele herói da minha infancia. O super-homem dos meus sonhos. Eu sonhava, quando criança, repetidamente com algum ladrão invadindo nossa casa e meu pai chegando e botando-os pra correr. Quando ele estava em casa, meu sono era melhor. Aquele que eu peguei certa feita num ato normal e correu atrás de mim pra me explicar a história da semente que era deixada pelo homem na mulher.

Aquele que chegava num Chevette Hatch azul, buzinando, eu abria o portão e ele descia pra almoçar, pedia um abraço e um beijo e sua barba, mesmo feita pela manhã, me arranhava o rosto, e eu sentia seus lábios, que eram parecidos com os meus na minha fase adulta.  Chevette esse, à alcool,  que ele deixava eu esquentar de manhã, pois dizia que o afogador não era legal. Ele chegava com a camisa de botão que trazia sua carteira de Hollywood no bolso da frente, juntamente com documentos e dinheiro (costume que adquiriu após ter a capanga roubada algumas vezes), desabotoava os botões e pousava a camisa sobre a cadeira da cabeceira da mesa.

Ia preparar seu prato, invariavelmente, a primeira camada de feijao, depois farinha ou farofa, depois arroz, depois a “graxa da carne”, como ele dizia e depois a carne por cima. Comia numa alegria de pedreiro. Muita comida, dificuldade na infancia, dizia ele e mais, não quero ver ninguem deixando um grao de comida no prato, tem que lamber. Foi assim que cresci.  O dia que coloquei mais farofa do que podia, comi aquela comida seca, sob a batuta do velho, que entre um paragrafo da Veja que lia, observava se eu iria desperdiçar.

Elegancia chegou ali e parou. Até ter mais de vinte anos, nunca ouvi meu pai falar um palavrão. Quando eu depois de adulto ouvi-o contando umas piadas que no meio tinha palavrões, não o reconheci. Flatulencias, em toda minha vida, nunca ouvi-o praticando tal ato.

Meu pai me deu o presente da vida, o presente do amor, o presente do abraço. Infelizmente, o presente da inteligencia, da humildade, da paciencia, da elegancia, da calma, da sabedoria, e de ser unanimidade, ele não conseguiu me passar.

Obrigado meu velho por tudo, o que tu conseguistes me ensinar e o que não deu pela minha cabeça fechada!!! Pelo seu riso sempre puro e inocente!!! Obrigado por ser amigo dos meus amigos!!! Obrigado por ter ajudado a me colocar no mundo!! Obrigado por ter me feito neto de Juvenal e Rachel, genios, que criaram o senhor e os irmaos de maneira que deveria constar nos livros sobre educação de todo o planeta!!!

Fabiano Holanda, Oakville, 3 de abril de 2015. 

Friday, March 27, 2015

Os portões do Éden

“When you got nothing, you got nothing to lose”
Bob Dyan
Outro dia eu estava me lembrando de uma frase de Antonio Carlos Jobim que dizia que morar no Brasil era bom mas era uma merda e morar no exterior era uma merda mas era bom. Ele vivia dividido entre New York City e o Rio de Janeiro, evidentemente com uma enorme estrutura nos dois lugares. Hoje vivo situação similar, dividido entre o Canadá e o Brasil.
Conseguir isso, diferente de Tom, faz com que eu tenha que me desdobrar em dois, aguçando a observação sobre o que é bom e o que é ruim nos dois lugares. Cheguei no Canadá no dia 31 de dezembro de 1999, então com 24 anos de idade, cheio de sonhos e querendo enfrentar qualquer coisa. Nessa época, só conseguia enxergar as coisas boas do Canadá e as coisas ruins do Brasil. Hoje sei que escolhemos o que queremos ver. Na verdade, vemos o que nos convém. A percepção se adapta aos seus anseios e não o contrário.
Nesses últimos 15 anos, passei a frequentar muito pouco o Brasil, e mesmo nessas poucas vezes que ia, via tudo sob a ótica de um turista, sem precisar de nenhum serviço do país, a não ser dos garçons e indivíduos envolvidos no turismo de maneira geral. O mesmo ocorre quando alguém pensa que conhece um local apenas indo visitar seus restaurantes e museus. Na verdade, você que pensa assim, conhece apenas os restaurantes e os museus. Você só conhece uma localidade se precisar ganhar dinheiro ali, ou investir.
Tendo que fazer dinheiro nos dois países, me pego às vezes sendo inocente, tal qual uma criança descobrindo que o mundo não é feito de fadas. No Canadá, abrimos uma empresa simples, sem ser corporação, na mesma hora, pela Internet, ao custo de 70 dólares. Caso queira uma corporação, vai te custar 400 dólares e também estará aberta assim que o seu contador te entregar o livro e as cotas, ou seja, se você abrir através dele, já sai de lá com tudo pronto. Nos dois casos, já pode ir ao banco, abrir uma conta pra poder receber o dinheiro dos clientes e ser feliz. No caso do contador, ele cobra 100 dólares pelo serviço. O salário mínimo aqui fica na ordem dos 2 mil dólares.
No Brasil, precisei abrir uma empresa simples e deixei a papelada pronta no dia 2 de março. Hoje, dia 27 de março, a empresa ainda não está aberta, mas tive que pagar 567 reais referentes à abertura, somado com 400 reais dos honorários do contador. O salário mínimo é da ordem dos 700 reais. Sem falar que eu gasto no Canadá, com minha empresa incorporada, 400 dólares anuais com serviços de contabilidade. No Brasil, o mesmo serviço pra uma empresa simples é de um salário mínimo por mês.
Outra aberração da natureza são os chamados cartórios. Não é a corrupção, não é o PT, não é nada que atrasa o avanço do país. O câncer é o tal do cartório. Tem cartório no interior fazendo o usuário esperar até 45 dias corridos pra entregar uma Certidão de Inteiro Teor e um Registro de Contrato. Somado com 30 dias corridos para entregar uma escritura de um terreno. Somente com esse tempo de gestação, muita gente vai à bancarrota. Em um mundo em que a velocidade de tudo é supersônica, essa palhaçada faz parecer que vivemos no Brasil Colonial.
Mas, por outro lado, não existe em nenhum lugar do mundo um restaurante como o Camarões. Nem em New York City, nem em Toronto, San Francisco, Los Angeles, Chicago, Miami ou Pittsburgh. Se engana quem acha que somente no exterior existem coisas boas. Negativo. Temos também em terras tupiniquins. Dizem que a pizza de São Paulo é a melhor do mundo. Nos esforçamos e temos excelência em muita coisa, apenas as prioridades são inversas.
Fabiano Holanda, Oakville, 27 de março de 2015.

Friday, March 20, 2015

A injeção e o estrago feito



“I never knew a man could tell so many lies, he had a different story for every set of eyes. How can he remember who he's talking to?”
Neil Young
Era uma vez um nordestino que saiu lá de Pernambuco e foi parar em São Paulo, lugar que atraía toda espécie de gente, pelo seu poderio econômico. Esse cidadão, de uma esperteza fora do comum, nada tinha de Jeca, era um doutor na arte de enrolar as pessoas. Sua ascensão é um caso pra ser estudado pelos pilantras de todos os setores, um verdadeiro Case. Chegou a líder sindical, e começou a criar fama dentro de um período de governo militar. 

Na primeira chamada que levou pra prestar depoimento no DOPS, Departamento de Ordem Política e Social, na época comandado por Romeu Tuma, em vez de ser preso, o molusco saiu de lá com um emprego part-time: alcagueta! Ele passou a entregar todos os seus liderados do sindicato. Virou agente duplo, recebia dinheiro dos otários sindicalizados para ao mesmo tempo entregá-los de bandeja ao Tuma.  

Foi então que os intelectuais de esquerda[1], os artistas, professores universitários de prestígio e políticos, decidiram usar a figura de Luís Inácio para ser a “cara” de um novo partido que pretendiam criar, o Partido dos Trabalhadores. Ele tinha livre acesso por entre essa gente, além de que, iria amealhar muitos  votos por entre os operários do ABC Paulista. 

Dois episódios dessa época deram sinais sobre quem Lula procurava servir. Não era a operário, não era a país, não era a seu ninguem. Ele só pensava nele próprio e em uma forma de vencer na vida, custasse o que custasse. O homem mais importante do governo de então, o General Golbery do Couto e Silva, através da pessoa de Cláudio Lembo, mandou saber de Luís Inácio, como ele poderia ajudar no processo de Anistia, de repatriar os membros da esquerda que estavam exilados. Luís Inácio, numa granja do sindicato, já se beneficiando das benesses que se tem ao rebanhar um monte de trouxa que paga seu sustento, disse que para ele não interessava, que deixasse os companheiros lá em Paris tomando vinho, pois a volta deles iria atrapalhar os planos que o próprio Luís Inácio tinha de ascensão. Este episódio é bem contado no livro sobre Lula do escritor José Nêumanne Pinto.  

O outro episódio aconteceu durante um discurso de Lula aos opérarios. No meio do discurso, Lula observa umas mulheres em cima do palanque. Atrizes, universitárias, mulheres que ele julgou independentes e lindas. No meio do discurso, começa a fazer um discurso feminista. Ziraldo, o cartunista, o chama num canto e fala, “Lula, não fale de feminismo, não pega bem, o seu público operário é altamente machista, você vai se prejudicar”. A resposta de Luís Inácio foi categórica: “Companheiro Ziraldo, com meus companheiros eu me entendo mais tarde, meu discurso é pra comer as bucetinhas das feministas ali”. Essa história foi contada por Ziraldo em entrevista dada à revista Playboy. 

Quem o cercava já sabia quem era o pilantra, se deram continuidade a esse plano, é porque são safados e queriam surfar na onda macabra criada por eles. Esses não tem o que falar, merecem tudo de ruim que a justiça possa ferroar. Mensalão, petrolão, e todos os escândalos dessa corja já eram previstos por muita gente, afinal um esquema desses não surge do dia pra noite, mesmo capitaneados pelo mestre da mentira. Agora, quem ficou sabendo de tudo e continua apoiando essa cafajestada toda, em nome de uma ideologia (que ninguém do PT tem, a não ser a ideologia do enriquecimento próprio), sofre de profunda esquizofrenia e devia procurar tratamento urgente.

A máquina que sustenta alguns setores da sociedade, comprando suas conivências, irá secar um dia, e aí, o que vocês vão fazer? Vou contar. Afundar no mar de fezes, de mãos dadas, com a estrela do PT pregada na testa, enquanto assistem à elite do Partido fazendo igual à Marco Aurélio, da novela Vale Tudo, dando uma banana pra vocês, pro país e, principalmente, pros que ficarão arquejando sem as bolsas-esmolas, que calaram a boca de tantos enquanto as safe-houses estão sendo preenchidas com dólares! 

Fabiano Holanda, Oakville, 20 de março de 2015


[1] Perdoem, tenho que chamar assim pra identificá-los, mas quem tem pensamento esquerdista não é e nunca será um intelectual, pois é antes de tudo um mentiroso contumaz, e intelectuais tem como profissão investigar em busca da verdade.