Wednesday, August 24, 2016

Caminho de pedras – 3

Qual seria o caminho pra atingir esse objetivo? Me disseram, os mais sabidos, que eu deveria procurar um professor que tivesse uma base de pesquisa e dentro dessa base, eu deveria ajudar a esse professor com sua pesquisa, procurar apresentar trabalhos nos congressos, seminários e ser mais ou menos um mini professor. Mesmo sem saber onde estava pisando, comecei minha pesquisa pra saber quem seria o professor. O problema é que eu só tinha mais um ano pra fazer tudo isso, pois já estava me formando em breve.

Apareceram três nomes: professor Vidal Infante, professor José Arimatés e professor Miguel Añez. Fui conversar primeiramente com Vidal. Não andou a coisa e nem vou entrar em detalhes. Segundo, conversei com o professor Arimatés, cara que gostava demais e ainda gosto, e ele me explicou durante essa conversa que sua base estava completa, mas que eu poderia pleitear essa vaga no ano seguinte. Não dava. Fui então procurar o professor Miguel. Não o encontrei e então decidi me inscrever em uma de suas matérias, um seminário em negócios internacionais. Me chamou atenção logo seu método não muito ortodoxo de lecionar. Ele dizia que quem quisesse, ele passava, podia ir embora, mas só ficasse quem quisesse assistir a aula e participar de maneira positiva. Gostei. Fiquei.

Lá eu ficava conversando com ele após as aulas e numa dessas conversas indaguei sobre a base de pesquisa. Ele disse que estava cheia, mas se eu quisesse participar sem receber grana, ele tinha como me encaixar. Topei na hora. Segunda-feira a tarde estava lá. Era o único turno que eu não tinha aula. Não tinha mais ninguém. Eu perguntei o que fazer, ele me deu um livro e disse: “leia aí”. Ele saiu e fiquei lá, aproveitando o ar-condicionado e lendo. Olha que maravilha!! Tinha um computador ligado, naquela época de Internet discada, lavei a burra. Era lá que passava minhas tardes. Entre leituras, internet e ar condicionado. Isso estava ficando bom, pensei.

Foi então que surgiu tudo de uma vez. Haveria um evento na UFRN e eu teria que apresentar mini-cursos sobre gestão internacional. Durava 3 horas e era aberto pra quem quisesse, gratuito. Foi ali que perdi totalmente meu medo de falar em público. Evidentemente, combinei com alguns amigos, que estariam na platéia de propósito, deles fazerem perguntas difíceis, para que eu demorasse nas respostas e os outros não tivesse tempo de fazer muitas perguntas. Lembro de João Costa, que como sempre fez uma pergunta que envolvia Peter Drucker. Só a pergunta dele durou 5 minutos. Eu respondi qualquer coisa e ele concordou, tinha que concordar. Foi muito bom. Miguel também achou.

Na semana seguinte, quando cheguei na base, tinha uma aluna lá com Miguel. Ele disse, tenho boas notícias pra vocês. Consegui uma bolsa no CNPq, de um salário mínimo, mas como tenho vocês dois sem bolsa, vocês teriam que dividir a grana. E emendou: “mas, o nome do bolsista tem que ser um só. Você acha que deve ser no seu nome?” Perguntou ele à menina. Ela disse que tanto fazia, que ela não fazia questão. Nesses segundos cruciais eu fui pensando. Eu sabia que ele faria a mesma pergunta pra mim. E ele fez. Eu respondi, na cara dura: “acho que tem que ficar no meu nome!!”. Ele perguntou porque, já com um sorriso nos lábios. Eu disse: “Porque estou me formando em pouco tempo e quando eu me formar, ela pode continuar com a bolsa e passar pro nome dela”. Ela deu de ombros e ele bateu o martelo, a bolsa ficaria no meu nome.

Mal deu tempo de comemorar e de passar meus dados pra abrir conta no Banco do Brasil, pois o CNPq pagava a bolsa através do banco, Miguel chega com a notícia que eu teria que me apresentar num Congresso de Iniciação Científica que teria na Universidade em poucas semanas. O negócio era sério. Miguel disse logo, ninguém nunca ganhou um prêmio nesse congresso aqui na base. Isso me relaxou.

Wednesday, August 17, 2016

Adeus, academia!! - 2

Ele perguntou se eu aceitava uma sugestão. Eu acenei com a mão que fosse em frente e dissesse o que estava pensando. Ele então disse: “Por mais que eu queira um exército dentro da academia, eu não acho que você possua o perfil de um teórico, um acadêmico, um pesquisador, mestre ou doutor. Você é muito mais do que isso. Você é um empreendedor, um homem prático, de resultados, de correr atrás e vai se frustrar muito dentro desse nosso mundo, cheio de fantasias, teorias e ilusões. Siga sua vida na iniciativa privada. Nós precisamos de gente como você pra poder fazer a economia girar enquanto ficamos aqui dentro em cima dos livros e teorias. Vá, meu rapaz, e depois me conte se eu estava certo ou errado!!”.

Eu estava sentado e fui descendo na cadeira, escorregando a bunda, quase caindo da cadeira, enquanto ele falava. Aquilo era o peso que eu estava tirando das costas. Mil e quinhentos quilos saíram dos meus ombros e ele foi sorrindo enquanto eu comecei a mudar minha expressão facial. Eu sorri também, inicialmente e logo depois comecei a gargalhar!! Dei um abraço no velho mestre e parti dali com a plena certeza que o mundo acadêmico não era pra mim.

Sempre busquei, até hoje, fazer as coisas que me despertavam paixão. Nunca quis fazer o que os outros estavam fazendo. Não pra querer ser diferente, pois querer ser diferente por apenas ser diferente já é uma coisa igual a muitos. Eu queria fazer o que fazia meu coração palpitar. Por isso gosto tanto de música. É a forma de arte que mais me emociona. Quadros, esculturas, arte moderna, isso não me diz nada. E não me vejo como um ignorante por pensar assim. Ignorante é o sujeito admirar algo à força, pra demonstrar uma falsa erudição. Admira o que tu quiser, malandro, o que te faz chorar. Me chame pra ir a um show, nunca a um museu. Literatura e cinema vêm em seguida, após a música.

Entrar no mundo acadêmico nunca me despertou paixão. Entrei por necessidade. Iniciei minha vida como nano empreendedor. Tive uma fabriqueta de gelo, um jornalzinho teen e uma lanchonete em uma loja de departamentos do Natal Shopping, na primeira metade da década de 90. Todos esses em sociedade, e mesmo não tendo o sucesso esperado, não me fez desacreditar em parcerias. Pelo contrário. Me fez aprender que precisamos ter sócios que comunguem das mesmas crenças, que possuam os mesmos objetivos e principalmente, que tenham o mesmo bolso que você.

Em meados de 1997, decidi fechar o último dos empreendimentos, a lanchonete e me dedicar à universidade, para pagar uma quantidade maior de matérias simultaneamente e terminar logo aquilo. Havia cansado da vida de empreendedor e queria um emprego. Mas qual? Não sabia, mas sabia que arrumar um emprego formado era mais fácil. Isso era óbvio. Comecei então a avançar no curso, pagando o máximo de matérias que podia (10 disciplinas, sendo 5 de manhã e 5 de noite, o que formava duas turmas de cachaça). Meu pai apoiou a ideia, como apoiava quase tudo que eu propunha e ele podia financeiramente, e lá me fui pra cumprir essa parte da minha vida.

A partir do segundo semestre de 1997 ao final de 1999, eu comi os livros com uma voracidade tão grande que se os livros fossem comida, hoje eu teria 500 quilos. Não teve nenhuma matéria dessas que passei com média baixa, todas com média entre 8,5 e 10. Realmente aprendendo tudo aquilo que eu achava inútil, mas que o diploma exigia. Fui um mentiroso eficaz, pois tinha que responder aquilo nas provas e trabalhos. Tinha um amigo que dizia que o sucesso vinha muito mais da disciplina do que da genialidade. Nunca esqueci disso. Quer disciplina maior do que se tornar especialista naquilo que você não acredita? Mas cumpri meu papel caninamente, sempre pensando como melhorar aquele status quo. Nesse período que tive a ideia de me tornar um professor, mais para ter uma fonte de renda certa do que por vocação. Achei cômoda a posição deles, falando e a gente engolindo. Taí um negócio bom? Pensei.

Wednesday, August 10, 2016

Lata de lixo - 1

Acredito que setenta por cento do que li nos últimos 20 anos foram biografias. Das mais variadas, gente de esporte, música, gestão, medicina, filosofia e por aí vai. Na minha vida inteira, nunca fui leitor de ficção. A vida real me fascina mais. Como dizia Belchior, a minha alucinação é suportar o dia a dia e meu delírio é a experiência com coisas reais.

O sujeito mais esperto irá perguntar: “E você acredita mesmo que existe realidade nessas biografias?”. Bem, concordo que a maioria delas é repintada com uma tinta mais bonita, aparadas as histórias mais escabrosas, consertados erros e enaltecidas muitas vezes decisões que foram feitas por sorte e elegem o biografado à guru e visionário, quando muitas vezes ele somente estava na hora certa e no lugar certo. Mas, mesmo assim, elas se aproximam muito mais da realidade do que uma ficção, que pretende imitar a realidade com suas personagens e nomes que se parecidos com a realidade, são mera coincidência.

Isso é uma discussão que não estou interessado em entrar no momento, o fato é que eu prefiro as biografias e se eu fosse contar minha história, o faria usando da mais pura sinceridade, mostrando onde errei e onde acertei, para que o leitor pudesse aprender com minha experiência de vida. O espertão irá falar também: “Quem és tu pra fazer uma biografia?”. Eu sou uma pessoa e acho que cada pessoa tem uma história de vida interessante, caso tenha aprendido com a vida. Um idiota pode até ter tido uma história interessante, mas nem ele sabe disso.

No curso de mestrado, já no último trimestre, fiz uma disciplina com o professor francês Alain Chanlat, chamada Ciências Humanas. Nessa disciplina, digna de um verdadeiro mestre, ele traçava um histórico de toda a existência humana, englobando os tópicos a seguir, um pra cada aula: genética, o cérebro, os reflexos condicionados e nervosos, a etimologia, a linguagem, o desenvolvimento neuropsicológico do bebê, a inteligencia, a afetividade, a socialização e as relações interpessoais.

Após cada aula, tínhamos que levar uma resenha sobre o que você aprendeu, antes de começar a aula seguinte. No final do trimestre, tínhamos que fazer um trabalho, com um fio condutor de todas essas aulas, além das nossas impressões pessoais. Passei uma semana fazendo este bendito trabalho, nas horas que dava, dormindo duas horas por dia, pois trabalhava para poder pagar meus estudos e viver. Li, reli, li mais uma vez, refiz umas cinquenta vezes. Pediu cerca de 15 páginas. Chegado o dia, entreguei. Mais uma semana para o resultado. O resultado seria dado em uma entrevista com ele, individualmente, no escritório dele, na universidade.

Logo que entrei, ele estava sentado, de paletó e sua inconfundível barba branca, somente com pelos no queixo, sem nada no bigode. Deu boa tarde e me mandou sentar. Fabiano, ele disse, está aqui o seu trabalho. Nada brilhante, nada sem nexo, trata-se de um trabalho mediano, que já recebi mil deles. A sua nota será um “A minus”, você discorda dela? Quis saber o mestre Chanlat. Eu, de certa forma aliviado, disse que não, que concordava com essa nota. Ele disse então estamos acertados, rasgou o trabalho e colocou na lata de lixo.

Ele disse que queria escutar minha história de vida. O que tinha feito eu sair do meu país e ir fazer mestrado no Canadá, que era isso que o interessava. O assunto do trabalho ele já sabia de cor e salteado. Que eu contasse tudo, ele teria uma hora pra ouvir. Ele escutava de olhos fechados, eu pensava que estava dormindo. Falei por muito tempo sobre o que pensava, sobre o que me fez ir pra lá, como fazia pra pagar a universidade, apartamento, comida, como eram meus pais, minha infância, família, tudo. Quando parei ele fez perguntas e obervações interessantes sobre o que tinha ouvido naquela narrativa, em que eu relatava a vida de um nordestino falando em francês.