Wednesday, April 19, 2017

Coisas acontecem rápido - 22

Um belo dia, estava eu em casa e Luciano bate na porta. Disse que estava retornando ao Brasil. Eu não entendi nada. Somente depois de um mês é que fiquei sabendo por terceiros que ele estava casando e com Lucianna grávida.

O ano de 2002 entrou e eu estava mais acomodado no mestrado e continuando trabalhando com Miguel e Olga na Soleil Net. Em setembro, minha irmã chegou no Canadá e me mudei pra casa de Morin e Lu, no segundo andar, da rua Ethel, na cidade de Verdun. Comecei a colocá-la em determinados trabalhos com Olga também e assim ela foi ficando capaz de pagar as próprias contas e pra sanidade mental dela e minha, resolveu se mudar e foi morar na casa do lado com Tiago e Flávia. A casa também era de Morin e eles moravam no andar de baixo.

No andar de cima moravam meus amigos Otávio e Mônica, com sua filhinha Maíra, então com 4 anos de idade. Otávio, professor da Univerdade Federal do Pará, fazia ali um curso de doutorado na Universidade UQAM. Foi meu companheiro de cachaça e de música todos os finais de semana. E Maíra era meu xodó, coloquei-a pra andar de bicicleta e carregava-a pra todos os lados. Ela estudava numa escola em francês, perto da Igreja de Verdun.

O trio Marcelo, Augusto e Maurício foram embora pra Flórida, pra onde tinha uma prima de Augusto por lá. 2003 chegou e nada mudou até chegar março e eu, como concluinte do mestrado, tinha direito de fazer estágio em alguma empresa. Foi aí que ocorreu um problema de entendimento.

Eu havia aplicado pra trabalhar numa grande empresa de consultoria chamada Mckinsey. Mas também tinha aplicado pra trabalhar em mais de duzentas empresas, inclusive uma gigante do setor de logística de medicamentos chamada McKesson. Só que a primeira era pra uma posiçao de consultoria, a segunda era pra uma posição mais baixa.

Recebi um telefonema da empresa e o cara falou McKesson, mas eu entendi Mckinsey. Pensei porra, fui chamado pra McKinsey, esse mestrado é forte mesmo. Ele me deu o endereço onde eu deveria me apresentar. Comprei roupa nova, sapato, e fui pro endereço fornecido.

Chegando lá, vi um grande galpão. Uma senhora na recepção perguntou meu nome e já tinha um crachá. Pensei, porra, que legal. Mandou eu seguir por um corredor, onde fui parado por um sujeito com um jaleco. Onde estão suas botas de segurança?, perguntou o sujeito. Que botas?, perguntei eu. Ele disse: “Como você quer trabalhar numa fábrica sem botas de segurança?”. Fábrica? Pensei eu. Do que esse cara tá falando?

Ele então me entregou um negócio duro pra calçar sobre os sapatos e pediu pra eu seguí-lo, dizendo, ríspido, compre botas pra trazer amanhã. Foi quando eu fui andando e vendo o nome nas paredes Mckesson e não McKinsey. E eu todo arrumado. Mas não desisti, fui até o fim. Encontrei outros estudantes da mesma universidade todos sentados numa sala de reunião. Passamos por um briefing sobre a empresa e me levaram pro meu posto.

O trabalho consistia em pegar um carrinho cheio de remédios e dali escanear cada item. Na scanner de mão, dizia o que eu deveria fazer com ele. Se fosse vencido, colocava em uma prateleira tal. Se fosse violado, colocaria em outra. E por ai ía. Uma dificuldade tão grande que até um macaco bem treinado consegueria realizar tal tarefa. O meu chefe, não tinha um dente sequer na boca. Fiquei impressionado como um sujeito daquele, num país daqueles, não tinha dente.

Wednesday, March 29, 2017

Ataque as Torres Gêmeas - 21

Fiquei no Brasil até setembro de 2001, marcando minha passagem pro dia 11 de setembro de 2001, coincidentemente. Íriamos viajar à noite, eu e Luciano Berberick e fomos na agência STB, do meu amigo Maninho, buscar as passagens. Chegamos lá e estávamos esperando as passagens, que custavam 700 dólares na época, pra quem era estudante, quando vimos na televisão um prédio em Nova York pegando fogo.

Ninguém ali imaginava se tratar de um ataque terrorista, e sim de um acidente aéreo. Maninho então ligou pra tentar alguma informação com a Continental Airlines, foi quando foi informado que o espaço aéreo americano estava fechado. Resultado, só pudemos embarcar no dia 13 de setembro. Fizemos escala em Newark, New Jersey, uma das sedes de Continental e rumamos pra Montréal. Sobrevoamos Manhattan e ainda muita fumaça saía do lugar aonde eram as Torres Gêmeas.

Voltei às aulas do mestrado, e continuei fazendo um trabalho aqui e outro acolá pra me manter e toda noite eu dava uma surra de xadrez em Luciano. Entao o mesmo recebeu a visita da então namorada Lucianna. Inclusive tomamos uma cana de vodka na sexta-feira a noite, pesada. O resto da turma chegaria no sábado cedo: os primos Augusto e Maurício Benfica e Marcelo Toscano. Combinamos de pegá-los no aeroporto. Eu não acordei. Luciano, sem falar uma palavra de inglês ou francês, foi sozinho pegar um táxi e deixou Lucianna com a incubência de bater no meu apartamento até eu acordar e irmos ao encontro dele no aeroporto.

Lucianna que falava inglês, explicou ao taxista que era pra ir pro aeroporto, mas disse que Luciano já imitava as asas de um avião com os braços e fazia o barulho do motor pra ver se o taxista entendia que era aeroporto. Mas a volta de lá seria uma incognita. Depois de muito tempo, Lucianna conseguiu me acordar. Tomei um banho rápido e fomos pegar um onibus pra ir pro aeroporto. Pegamos o onibus errado. Depois pegamos o certo. Mas quando chegamos lá, já tinham ido embora.

Como Luciano fez? Comprou um mapa no aeroporto e uma caneta e circulou o endereço no mapa e apontou pro motorista. O taxista entendeu e lá se foram. Chegaram lá, a gente ainda devia estar indo. Mas deu certo, eles foram morar um tempo na casa de Danielle, esposa de Zumel, no bairro judeu de Outremont.

Lá, através dela, conheceram Dona Eva, uma brasileira que tinha um Pet Shop e era casada com um quebecois chamado Raymond. Por sua vez, Dona Eva conhecia uma senhora chamada Lena, que conhecia Olga, que tinha uma empresa de Limpeza também. Olga é uma portuguesa irmã de Miguel e os dois eram donos da empresa Soleil Net. Miguel anos depois casou com Flávia, prima de Maninho da agência que nos vendeu a passagem. Flavia continua casada com Miguel e tem duas meninas lindas e um rapaz mais novo. Miguel conheceu Flávia através da gente que fomos trabalhar com ele.

Augusto foi trabalhar a noite toda no Hotel de la Montagne e ainda fazia a boate Thursdays. Mauricio ficou fazendo trabalhos esporádicos e Marcelo só estudava. Eu peguei dois contratos: Chapters a noite e Archambault de manhã cedo. E isso me ajudou a custear minha vida por lá, inclusive o mestrado. Logo logo tinha juntado 20 mil dólares. Trabalhava também nos finais de semana.

O trio se mudou pra um apartamento também em Outremont e economizavam o máximo. Só não havia economia de cerveja. Tomavamos muitas. Mas carne era só moída. Carne inteira era cara demais. Lembro de Maurício dizendo certa feita: “Rapaz, faz tempo que não mastigo uma carne sem ser moída, estou com medo de não saber mais”.

Wednesday, March 1, 2017

Acabava 2000 – 20

Já estava frio e abrimos o gás, correndo, não sei porque. Cheguei lá em cima da ladeira morto, bufando, e vimos uma loja do KFC. Entramos e pedimos um combo do Super Croque, como se dizia no Québec. Ninguém parava de rir, bêbado é foda. Só fomos ter notícias de Celso no outro dia.

A rotina voltou ao normal, muito trabalho, recebi a grande notícia da aprovação do mestrado na prestigiosa HEC Montréal, chegou o Natal de 2000 e deu aquele banzo. Fui pra casa de Morin e Lu. Cana vai, cana vem, começamos uma discussão, eu e Rosel, sobre direita e esquerda. Ele falando sobre a esquerda, colocou o dedo na minha cara, em riste. Eu avisei: “Amigo, fale o que você quiser, mas não coloque o dedo na minha cara!”. Ele foi falando empolgado, e outra vez colocou o dedo na minha cara, gritando. Avisei de novo, amigo, fale mas não bote o dedo na minha cara. A terceira vez você vai se arrepender. Ele aprendeu ali naquele momento como as coisas funcionavam comigo. Ele colocou o dedo pela terceira vez na minha cara, e antes dele poder ter qualquer reação, eu dei uma mordida tão forte no dedo dele, que ele queria tirar o dedo da minha boca e não conseguia.

O sangue escorria e eu não soltava. Todo mundo entrou em pânico, querendo que eu soltasse, me empurrando, puxando e eu agarrado. Mas o engraçado foi que em vez dele ficar puto, teve um acesso de riso. Pulava de um lado pro outro, dizendo com o sotaque baiano, “Lá ele, o potiguar é pitbull, o potiguar é pitbull, qual o quê?”.

Voltamos a beber novamente quando fizeram um curativo, mas por precaução, pediram pra gente evitar o assunto política. Todos estavam assustados demais. Pegamos um ônibus pra casa, bebemos mais umas cervejas que tínhamos lá e fomos direto pro Chabanel pro trabalho. O frio era tão intenso naquele primeiro dia de 2001 que usávamos máscaras de ski para proteger o rosto, senão queimava. Era terrível, com neve acumulada da noite anterior que batia na canela. Do metrô pro prédio, eu pensei que fosse morrer. Fizemos o trabalho e só assim que voltamos pra casa pra dormir.

Logo no começo de janeiro começaram as aulas do mestrado. Se eu pensava que estava preparado, tive a certeza que não estava. O francês falado academicamente era muito mais puxado do que o falado nas ruas e nas escolas de idioma. Me vi doido. Nesse tempo, eu tinha somente o trabalho de Luiz, do Ministério do Trabalho do Québec, que começava as 5 da tarde e ia até umas 10 da noite, às vezes um pouco mais. Chegava de lá, ia estudar ou fazer algum trabalho (que toda semana tinha um pra cada matéria) até umas 2 ou 3 da madrugada, pra acordar cedo no outro dia pra começar as aulas às 9 da manhã. Mas ainda tinha onibus, metrô e parte à pé, então tinha que sair de casa no máximo as 8 da manhã.

No primeiro trimestre, fiz logo uma disciplina com Alain Joly e como Miguel Anez fazia pós doutorado, aproveitou e fez essa disciplina comigo. Era gestão comparada e estudava formas de gestão em diferentes países. A universidade era linda, desde a arquitetura até a biblioteca, passando pelas salas de aula, auditórios, lanchonete, corredores, escritórios dos professores. Tudo era incrível, um tempo de muita esperança e alegria, apesar de eu achar que aquele clube não era pra mim.

Acabou o trimestre de inverno, como eles chamam e o trimestre de verão era opcional. Como eu tinha que ter tempo pra dormir um pouco e tempo pra juntar o dinheiro da mensalidade, eu decidi voltar somente no trimestre de outono. Trabalhei em Luiz até o meio do ano, quando ele alegou que queriam minha permissão de trabalho e eu não tinha e tive que sair. Aproveitei pra ir no Brasil em agosto de 2001, pois meu pai estava com dinheiro da aposentadoria e resolveu me presentear com uma passagem.

Wednesday, February 22, 2017

Boulevard Décarie, 3433 – 19

O apartamento que peguei era de Iêda, aquela que tinha nos ajudado quase um ano antes. Ela estava indo morar em Verdun, em um apartamento que Mario Morin e Lu, que é de Natal também, alugavam, com dois quartos, uma espaçosa sala e uma espaçosa cozinha. Fiquei nesse apartamento de André Boulais por dois anos, até 2002, quando minha irmã resolveu ir pro Canadá e eu precisava de dois quartos.

Dali saí pro meu primeiro dia no prédio do Ministério do Trabalho do Québec. A estação mais perto da minha casa era Vendôme, linha laranja e ia até Sauvé, quase no final do outro lado, da mesma linha laranja. Deu tudo certo lá, o salário era 1600 dólares por mês, trabalhando apenas 5 horas por dia. A fábrica era 800 dólares, trabalhando 8 horas por dia, sem liberdade de ir nem no banheiro. Pense numa evolução. Estava me sentindo rico. Pagava o aluguel, morava só e ainda sobrava 1235 dólares pra comer e beber.

Pra completar, Rosel tinha mais dois empregos. Um num edifício chamado Chabanel e outro num banco da Caisse Populaire Desjardins, na mesma rua onde morávamos. Um pagava 800 dólares por mês e outro pagava 400 dólares. Rosel me propôs dividir com ele esses dois prédios também, mas só durou 2 meses e ele ficou sozinho de novo. Mas por 2 meses eu ganhei 2400 dólares por mês. Dava certo demais, pois o mestrado ainda não havia começado.

Como nada pode ser floreado, vamos à segunda grande merda em Montréal. A primeira foi a dos filipinos. Celso passa no prédio num domingo e chama pra tomar uma cerveja e jogar sinuca num lugar que ele gostava. Vamos simbora Rosel? Ele disse vamos, ninguém ganha pra mim na sinuca. E ninguém ganhou mesmo, o fela da puta é muito bom na sinuca. Mas o fato não foi esse. Foram muitas partidas e muitas cervejas. Contra todos que estavam lá. Eu com dinheiro, Rosel com dinheiro e Celso com dinheiro. Foi uma farra.

Celso tinha um Honda Civic Hatch preto, como eu já devo ter dito. Na hora da saída, vimos Celso bêbado, como nós estavamos também. Dissemos a ele que iríamos de metrô e dali ele fosse pra casa dele. Ele insistiu em nos deixar em casa, foi quase uma briga. “Não, moço, nós vamos de metrô”, dizia Rosel. Depois de tanta insistencia, fomos com Celso. Ele pegou a Highway e lá fomos nós, felizes nos 120km/h e tal. E Celso rindo e conversando. Eu vi que havia chegado ao fim pois tinha um semáforo e os carros estavam parados. E eu vendo que estávamos nos aproximando dos carros parados e nada de Celso diminuir. Quando não tinha mais jeito, eu gritei, “Fela da puta, os carros estão parados!!!”. Ele meteu os pés no freio, travou os pneus, mas não teve jeito. O Honda entrou todo, fiquei com os joelhos nos peitos. O casal da frente num Chevrolet Cavalier saiu do carro sem saber o que estava acontecendo. Destruiu os dois carros.

Não tardou muito, chegou a polícia. Perguntou quem era o motorista, Celso se identificou. Ele chamou Celso num canto e o outro policial veio nos entrevistar. Perguntou se ele tinha bebido, eu disse que não tinha visto. Perguntou o mesmo a Rosel e Rosel disse o mesmo. Perguntou se nós tínhamos bebido, eu disse que sim e Rosel também, mas que isso não tinha relevância porque estavamos de carona. Ele disse não importa, andem aí nessa linha. A linha branca que tinha no meio da estrada.

Eu andei bem certinho, mas quando foi a vez de Rosel andar, parecia Charles Chaplin, desequilibrado, quase caindo. Eu caí na gargalhada, o que irritou profundamente o policial. Ele disse, “Tá vendo ali aquele sinal? Vocês dois vão embora, peguem o metrô e vão pras suas casas. O amigo de vocês vai ficar aqui, ele vai com o carro do guincho”. E assim fizemos.

Wednesday, February 8, 2017

Primeira mudança – 18

Pra completar, nos dias que tinha pouco trabalho, eu não era escalado e ficava em casa. Ligava pra Rosel, o bom baiano de Anajé e íamos bater papo e circular pela cidade, batendo fotos e tomando uma cerveja aqui e outra acolá. Numa dessas, ele perguntou como estava na fábrica. Ele tinha trauma da fábrica, pois o local não tem aquecimento e nem ar-condicionado e numa dessas coisas da vida, Rosel um sujeito “delgado”, como os hispanos o chamavam, pegou uma pneumonia e quase que ia dessa pra melhor.

Eu disse que a fábrica era uma merda e pior ainda era o salário. Ele disse então que iria falar com seu patrão, um outro peruano, chamado Luiz Moralez. Este senhor, o Moralez, era um ex-policial fugido por problemas com outros policiais corruptos, segundo ele. Pediu refúgio no Canadá, colocou uma empresa terceirada de serviços e Rosel arranjou emprego com ele. Ele pegava os contratos dele com um grego chamado George. Luiz andava numa Hilux cabine única, toda fudida e em umas vans mais fudidas ainda. O grego andava num Porshe e só andava de jaqueta de couro. Luiz então prometeu a Rosel que iria ver o que arranjava pra mim.

Nesse meio tempo, eu gastava meus dias indo pra fábrica das 8 às 4 da tarde e quando chegava, ainda ia juntar papelada pra dar entrada no processo de aplicação do mestrado. Traduções, certificações, cartas de recomendação, e todo o lereado. Foi um tempo pauleira. E pegue cerveja. Não estava juntando quase nada. Gastando quase todo nesse processo e nas bebedeiras. Ia morto pra fábrica no dia seguinte.

Foi então que quase simultaneamente, dois fatos mudaram o curso do meu caminho. Rosel ligou pra casa de Celso e deixou uma mensagem na secretária eletrônica dizendo que um cara que trabalhava pra Luiz no prédio do Ministério do Trabalho do Quebec estava saindo de férias, se eu queria substituí-lo e conforme fosse, Luiz me daria um sub-contrato ou coisa assim. Fiquei de dar a resposta à noite. Mas no meio do expediente da fábrica, eu vinha distraído pra pegar uma pilha de livros em uma mesa, quando um hispano grita e me empurra. Ato contínuo, a guilhotina que era uma máquina desce. Não sei direito o que eu ia perder, provavelmente os dedos todos ou as maos.

Fiquei em estado de choque o resto do dia. Nesse dia, o árabe filho da puta veio me pagar, rindo. Eu pensei esse viado tá rindo de que? Liguei pra Rosel e deixei uma mensagem na secretária eletrônica dele. Nunca mais coloquei os pés na fábrica. O ultimo pagamento o árabe entregou pra Celso, que me passou depois. Nesse mesmo dia, puto da vida, fui pra casa de metrô pois Celso havia saído mais cedo. Chegando lá, já estava um frio grande, e eu estava com muita fome. Vi a luz do quarto acesa. Toquei na campainha e nada de Celso abrir. Depois de uns 15 minutos, ele sai dizendo que eu esperasse no metrô pois ele estava com uma jovem lá dentro e que depois ele me chamava lá. Esperei mais ou menos uma hora e decidi ali, vou me mudar.

No dia seguinte já não fui pra fábrica confiando que ia dar certo com Luiz Morales. Fui ate o prédio de Rosel, no Boulevard Decarie, 3433, perto da Sherbrook. Lá encontrei com André Boulais, o proprietário e ele me disse que o apartamento 01 estava vagando. Fechei o contrato com ele ali mesmo. O aluguel, lembro até hoje, era 365 dólares mensais, com energia e água inclusos. Eu pagaria por fora somente telefone e lavanderia, essa com 4 moedas de 25 centavos, no basement do prédio. A internet era gratuita com uma empresa terrível chamada Net Zero, que fornecia internet gratuita mas que a todo momento ficavam aparecendo telas de anúncios. Dentro do apartamento já tinha uma TV de 14 polegadas, cama, sofá, cadeiras e material de cozinha completo. Ah, e uma varanda que dava pra Decarie. O código de entrada do apartamento era #1945, ano de nascimento de André. Celso me ajudou a levar as coisas e ali tinha meu primeiro lar.

Wednesday, February 1, 2017

O retorno – 17

Então ele me deixou na casa dele e rumou pra fábrica. Fiquei ali o dia inteiro tentando dormir e sem conseguir direito. Era muita coisa que tinha pra organizar até começar a relaxar meus ossos. Fui dar uma volta nas ruas do bairro naquela tarde de setembro. Ficava pensando no meu pai que não quis ir no aeroporto. Um sentimento de culpa de deixar pra trás aquele que nunca havia me deixado. Mas era meu destino, eu tinha que aceitar.

Fui pra estação Rosemont, peguei um metrô e circulei sem ter pra onde ir. Na volta, desci na estação Beaubien. Andei de volta, já era perto das 17 horas. Celso chegou ao mesmo tempo que eu. E veio com uma novidade. Era feriado do dia do trabalho e ele disse que iriamos viajar com o time de futebol americano de Montréal, os Alouettes. Ele havia ganho um sorteio no restaurante La Cage Aux Sports, que dava direito à irmos para um jogo dos Alouettes contra os Tiger Cats, de Hamilton, na província de Ontário. Iriamos no mesmo trem que o time. E lá fomos nós no dia seguinte.

Rumamos pra La Gare Centrale de Montréal muito cedo. Deixamos o carro lá e já fomos tomando um vinho. Depois passamos pra cerveja e quando chegamos em Hamilton, sete horas depois, ninguém sabia mais nem onde era o céu e o chão. A música alta nos intervalos, tocando rock, e a Budweiser rolando solta no estádio, me fez pensar que seria vida mansa o tempo todo. Fui com a camisa da seleção brasileira e quando o jogador principal dos Alouettes estava sendo entrevistado pela TV após a vitória sobre o Tiger Cats, eu apareci no campo visual dele e ele me chamou!! Acabei aparecendo também! Voltamos com o time, já relaxados, vieram de um em um agradecer a cada passageiro pela torcida e por terem perdido tempo de ir até lá. Isso é o Canadá. Chegamos tarde da noite, rumamos pra casa, afinal, no outro dia, começaria o trabalho na famigerada fábrica.

Acordamos cedo para preparar o almoço pra levar pra fábrica. O sistema era bruto. A fabrica se chamava Edicible, de uns judeus e não era verdadeiramente uma fábrica. Era uma enorme gráfica, do tamanho de um quarteirão. Basicamente, eles imprimiam livros, revistas, panfletos e qualquer coisa que se colocasse em papel. E lá mesmo cortavam, e montavam os livros e tudo o mais. Muitas máquinas impressoras, muitas guilhotinas e muita separação.

Cheguei um pouco antes das oito horas da manhã e Celso me levou pra falar com um árabe. Vejam só, o dono da fábrica era judeu e quem arrumava a força laboral era um árabe, que tinha uma agência de emprego. Um exemplo como o dinheiro une esses povos tão raivosos uns dos outros. Ele me disse que meu salário seria 5 dólares por hora, mas que seria descontado a hora do almoço, assim, minha diária seria de 37.50 dólares, das 8 da manhã até as 4 da tarde. Fiz minhas contas, daria 750 dólares por mês. Não era muito, mas naquela época, dava pra se virar em Montréal com o básico.

Comecei o trabalho separando panfletos em montes e colocando uma liga. Depois fui montar umas caixas. Depois carregar uns livros. Fiz coisa pra cacete e quando olhei no relógio da fábrica, ainda era 8:45. O relógio parecia estar em slow motion. Finalmente deu 4 horas e Celso me disse que iria ter que ficar de plantão. Pediu a um grupo pra me deixar no metrô e fui pra casa. Não sabia se ria ou se chorava. Quando peguei no sono, chega Celso e Lúcio, aquele peruano, com uma caixa de cerveja. Puta que pariu, pensei, o rojão aqui é pesado. Logo chegam dois caras novos do trabalho e começam a tocar na guitarra de Celso e cantar, basicamente Red Hot Chili Peppers. E fui trabalhar morto no outro dia.

Basicamente, isso se repeteria pelas próximas três semanas. Quando chegava o sábado e o domingo, sempre íamos pra casa de um brasileiro ou recebíamos brasileiros na casa de Celso, e pegue mais cerveja. Pouco dormia ou descansava. Emagreci horrores, com pena de gastar dinheiro com comida.

Wednesday, January 25, 2017

Pequena pausa – 16

Casa de Celso, onde ele me deixou pra ir pra fábrica.
Se dependesse de mim, teria ficado direto naquele maravilhoso lugar. Vi o inverno pela primeira vez mostrar suas garras poderosas, mas vi também pela primeira vez a primavera. Ultimas semanas de março em Montréal era como uma respirada na superficie após passar cinco minutos sem respirar debaixo d'água. O sorriso nos rostos das pessoas, a felicidade no ar, gelo derretendo, parece que Montréal acorda quando chega março. A hibernação e os rostos fechados do inverno dão lugar à um clima maravilhoso, seis semanas depois da marmota mostrar sua cara.

Ter as estações do ano bem definidas dá a impressão de vivermos em 4 lugares diferentes sem sair do canto. Mas eu tinha que voltar ao Brasil, terminar umas disciplinas que eu vinha fazendo por e-mail, graças à boa vontade de alguns professores progressistas e por fim, tinha que concluir minha monografia e apresentar, para poder pegar meu diploma e voltar correndo pra Montréal pra poder aplicar pro mestrado. Tudo tinha que ser muito sincronizado. E foi. Mais ou menos.

Cheguei ao Brasil no aeroporto de Guarulhos e após essa temporada em Montréal, eu tive vontade de voltar do aeroporto mesmo. Só não o fiz pois precisava desse diploma. O calor insuportável, a má educação das pessoas, a má vontade dos atendentes das companhias aéreas, aquilo foi me dando um desespero, parecia um pesadelo. Naquele ponto, eu confirmei porque o Brasil é assim e o Canadá é do jeito dele. O povo e o calor. Essa foi a resposta daquele momento.

Retornei à UFRN, naquela época no setor 1, um calor infernal, mas um calor infernal mesmo. A comparação com a Universidade de Montréal não podia ser evitada. O uso de internet na Universidade em Montréal era franco e abundante. Na UFRN era restrito. Muito restrito. Minha sorte é que eu era bolsista do CNPQ da base de Miguel Anez e tinha um computador na nossa sala, mas o aluno normal, penava.

Eu estudava de manhã e de noite e saía de casa pra beber quase todo dia, querendo me despedir daquilo que foi a minha vida inteira. Fui muito ajudado por alguns professores, gravemente sacaneado por outros safados que se diziam apoiadores do nosso projeto, mas no fim, entre mortos e feridos, deu tudo certo, como sempre dá.

Tudo certo, monografia apresentada, diploma carimbado, inscrição no CRA feita, era hora de voltar ao Canadá. No dia 5 de setembro de 2000, olhei pro meu quarto pela última vez, naquela casa da avenida Brigadeiro Gomes Ribeiro, 1462, onde morei desde os 3 anos de idade até naquele momento com 24 anos e sabia que não iria mais voltar ali. Mesmo não tendo planos de ficar no Canadá, eu não pretendia mais morar naquela casa. Queria ganhar o mundo. Fazer um doutorado em outro lugar, quem sabe.

Meu pai, um homem que pouco expressava seus sentimentos, sabia disso. Meu amigo Flávio Teco foi me deixar no aeroporto, pois papai se recusou a ir. Acho que para ele ia ser demais me ver indo. Ele estava deitado na rede, fingindo dormir. Eu fui lá e falei: “Pai, estou indo”. Ele apenas acenou com a mão, disse “boa viagem, filho”, e se virou, cobrindo o rosto com o lençol.

E assim eu fui, respeitei aquele momento dele, e saí com o nó na garganta. Goose bumps, como se diz no Canadá. Dessa vez fui só. Zumel já estava lá. Combinei com Celso, ele foi me pegar no aeroporto, num Honda Civic coupé que ele tinha, preto. E já foi dizendo: “Já quer ir trabalhar na fábrica, paraíba? Vamos direto! Tá disposto?”. Eu disse que não queria, que tava morto, precisava descansar. Precisava na verdade colocar a cabeça em sintonia com aquilo tudo lá. Respirar um pouco. Eu sempre preciso de uns momentos pra alinhar os pneus e afinar o motor.

Wednesday, January 11, 2017

Domingo de sol – 15

Um episódio dessas duas semanas finais marcou muito a minha trajetória em Montréal. Era um domingo e tínhamos planejado de ir conhecer o Les Bobards, um bar que tinha música brasileira tocando aos domingos, quase sempre com o brasileiro Paulinho Ramos na voz e violão. Ficava situado na famosa avenida St-Laurent.

Antes de irmos, Natan nos intimou a participar de uma festa baiana que eles consideram e prestigiam muito, o chamado Caruru. Natan estaria dando esse caruru pra agradecer a alguma graça obtida, não sei do que se tratava, mas disse que não poderíamos faltar e como tínhamos um senso de gratidão com ele, fomos nessa missão, apesar de eu saber que iria ficar o dia inteiro com fome.

Como Natan tinha medo de Júlia, pediu a casa de um amigo emprestada para realizar tal evento. O dono da casa era um sujeito chamado Pedro, que tinha um apartamento ali no Platêau Mount-Royal, mas que não iria estar em casa, por motivos de trabalho.

Chegando na festa, eu e Zumel percebemos logo que o ambiente não era hetero. Uma viadagem enorme e chega logo uma bicha descarada e gasguita chamada Billy. Esse Billy era brasileiro mas parece que ra filho de estrangeiro. Eu ficava sério olhando pros gestos tresloucados e gritinhos do tal Billy, mas Zumel ficava olhando pra cara do sujeito e gargalhando. Outra daquelas manias dele sem noção.

Porém, como tudo na vida é um quebra-cabeças que vai se encaixando, mais tarde, já pro fim da tarde, chega na festa um carioca e um peruano. Eles carregavam duas caixas de 24 cervejas Budweiser e eu pensei, taí dois caras gente boa.

Não tinham aparência de viados, e começamos a conversar. Ficamos eu, Zumel, e eles dois numa mesa, já cada um com uma Budweiser na mão. O carioca era Celso Mirres e o peruano era Lúcio. Celso perguntou: “Nada contra, mas vocês dois são viados?”. Eu respondi: “Viado é o caralho, porra!”. Foi um alívio fantástico por parte de nós quatro.

Então avisamos que íamos ao Les Bobards e Lúcio nos ofereceu carona, numa Van. Chegamos lá, praticamente só brasileiros na festa e era incrível, pois nauela época não existiam muitos brasileiros por lá. Tomamos todas, jogamos sinuca, foi uma farra ao tipo que eu fazia em Natal. Nessaa noite, através do viado Billy, que foi pra lá a pé, Zumel conheceu Danielle, que seria sua mulher por uns tempos e que depois se mudou pra Natal e virou corretora de imóveis por lá.

O engraçado foi o motivo que ela deu pra deixar o Canadá e ir morar no Brasil. Certa vez ela foi visitar Natal e lá, a manicure foi fazer a unha dela na residência onde ela estava. Ela achou aquilo tão incrível, que resolveu se mudar pra Natal, para que tivesse esse e outros pequenos luxos que não existiam no Canadá.

Na semana seguinte, fui tomar uma cerveja com Celso na casa dele e toquei a introdução de “La Bamba” em uma guitarra que ele tinha em casa. Ele gostou tanto que pediu para que eu repetisse umas 10 vezes. Lúcio novamente apareceu por lá e ficamos tomando várias.

E nesse interim, Celso me convidou a passar um tempo na sua casa até que me organizasse quando voltasse à Montreal em Setembro. E ainda me garantiu um emprego na “fábrica”. Mas se eu tivesse me recusado à ir na festa do Natan, nada disso teria acontecido e minha volta teria sido bem mais difícil. Incrível como tudo tem um propósito.