Sunday, April 12, 2015

Disco rígido




"Mother, should I run for president? Mother, should I trust the government? Mother, will they put me in the firing line? Is it just a waste of time?"

Pink Floyd

Eu tenho um pensamento totalitário. Sempre quero conhecer o começo, o meio e se possível, o fim das histórias. Se alguem está contando uma história e eu não conheço o começo, ignoro completamente, saindo de perto pra não me contaminar com aquilo. Agora se estou em uma conversa desde o início, há grandes chances de eu me interessar profundamente, mesmo que seja o assunto mais trivial possivel. 

Assim, me pego sempre querendo me lembrar qual seria o íncio da memória que está gravada no Hard Disc do meu cerebro. Tenho ciência de que morei até 1978, ou seja até os três anos de idade no conjunto Mirassol, em Natal, mas não lembro das coisas que ocorreram lá. Lembro das fotos e do que me contam, mas eu mesmo não lembro de nada. Um diálogo, uma briga, um evento significante, nada. 

Então nos mudamos pra uma casa nova que papai havia construído em Morro Branco e que eu iria morar nela até sair do Brasil, em 1999. A minha memória mais remota ainda não é de ordem visual, mas sim olfativa. Lembro chegando naquela casa e o cheiro de tinta entrando nariz adentro e fazendo com que eu ficasse apaixonado por aquela vida nova. A tinta parece, hoje, era o símbolo da mudança, de uma nova era.  
Novamente um hiato, como se precisasse de uma desfragmentação no HD, e minha memória seguinte pula pra casa da minha avó Vanda, no ano de 1979. Eu pulava de um sofá para o outro, animado, quando errei um desses pulos e caí, quebrando minha perna. Não sei se quebrou, mas sei que doeu muito, me levaram pro hospital e eu fui pra casa nova com a perna engessada. 

A partir daí, começam a aparecer mais coisas, o que deixa mais confuso ainda esse mapeamento. Não sei precisar o ano, mas vinhamos no nosso carro, eu, meu irmao e meus pais e meu pai decidiu parar na casa de um amigo, onde estava sendo realizada uma festa. Nessa casa, ele escorrega e cai em cima de um vidro, muito sangue saía de sua mão, foi pro hospital e a partir desse fato, nunca mais foi possível pra ele dobrar o polegar da mão direita. 

Tive um professor no mestrado chamado Allan Chanlat e ele dizia que a melhor forma de testarmos e observarmos as teorias sobre o comportamento humano são com nossos filhos. Minhas filhas completarão 9 anos da vida em junho próximo e converso muito com elas, buscando sempre essas informações e de fato, pude concluir que as lembranças das pessoas nos primeiros anos de vida parece que são apagadas quase que por completo. 

Talvez uma sábia providencia divina, ou da natureza como queiram alguns, para que não nos lembremos dos momentos embaraçosos que vivemos nessa época, onde por exemplo, faziamos nossas necessidades fisiológicas sem controle.

O mesmo me parece que ocorre quando nos aproximamos do fim da vida na velhice. Pra quem tem a felicidade ou infelicidade de viver muito, a memória vai sumindo aos poucos, para que esses momentos embaraçosos da velhice não sejam notados e muito menos para que não nos atormentemos com o que já passou ou lembrando de quem não está mais entre nós.

Concluímos assim que, falta de memória é uma benção divina, em vez de uma fraqueza, como pensam alguns. O desmemoriado vive sorrindo, vota novamente no PT, pega novamente a rua errada e sorri, não lembra de pagar suas contas e jamais mantém inimigos, afinal, o que foi que eles fizeram mesmo? O bom mesmo é ser bebê ou ser ancião, onde o HD não registra nada e mesmo assim todos gostam da gente. Perfeito mesmo se todos pudessem fazer uma formatação completa e recomeçar do zero quando quisesse. 

Fabiano Holanda, Oakville, 11 de Abril de 2015.  

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