Friday, April 3, 2015

Whatever gets you thru the night



"Life is what happens while you are busy making other plans".

John Lennon

Eu sou um homem de uma quantidade razoavel de amigos e alguns inimigos. Maneira de falar, foi só pra rimar. Eu diria desafetos de muitos anos atrás, que se não tiverem a minha memória, já esqueceram os motivos. Desafetos de uma Natal que não existe mais. Hoje a Natal que conhecemos é dos bandidos, que nos maltratam sem podermos fazer nada, estamos desarmados. Dessa forma, eu e os desafetos, estamos no mesmo exército, o dos desarmados.

Mas deixando os desafetos e os amigos de lado, eu tive o maior amigo que alguem possa ter tido, o meu velho pai. Ele morreu, deselegantemente, sem nem me avisar. Saiu à francesa. Combinamos, ele descumpriu. Eu disse que iria em dez dias, logo no terceiro ou quarto dia, ele se foi. A pressão arterial foi abaixando, minha mãe ligou e disse que ele não iria passar daquela manhã. Eu estava entrando no chuveiro pra ir trabalhar. Exagerada, pensei. Ela sempre foi exagerada. Dessa vez não foi. De toda forma, pensei em ir providenciar uma passagem aérea.

Indo pro trabalho, passava em cima de um viaduto que cobre a Queen Elizabeth Way, a Highway que liga Niagara Falls até Toronto. Esse viaduto dava no Boulevard Winston Churchill. Na verdade, era a saída da Winston Churchill na QEW. Guardadas suas devidas proporcoes, meu pai e Churchill foram grandes homens para quem os conheceu. No viaduto da Winston Churchill, meu irmao me liga chorando. Ele estava em Abu-Dabhi, nos Emirados Arabes, à trabalho. Chorando, ele repetia: “Papai morreu, irmão, papai morreu!”.

Depois eu fiquei pensando, será que os irmaos sentem o mesmo à respeito dos pais ou cada um sente de forma diferente? O fato é que me mantive sereno, sem dizer palavra. Entre choro, ele pediu que eu fosse andando pra nossa cidade Natal e que esperasse por ele pra poder enterrar nosso velho. 

Tivemos que embalsamar o meu velho. Aquele herói da minha infancia. O super-homem dos meus sonhos. Eu sonhava, quando criança, repetidamente com algum ladrão invadindo nossa casa e meu pai chegando e botando-os pra correr. Quando ele estava em casa, meu sono era melhor. Aquele que eu peguei certa feita num ato normal e correu atrás de mim pra me explicar a história da semente que era deixada pelo homem na mulher.

Aquele que chegava num Chevette Hatch azul, buzinando, eu abria o portão e ele descia pra almoçar, pedia um abraço e um beijo e sua barba, mesmo feita pela manhã, me arranhava o rosto, e eu sentia seus lábios, que eram parecidos com os meus na minha fase adulta.  Chevette esse, à alcool,  que ele deixava eu esquentar de manhã, pois dizia que o afogador não era legal. Ele chegava com a camisa de botão que trazia sua carteira de Hollywood no bolso da frente, juntamente com documentos e dinheiro (costume que adquiriu após ter a capanga roubada algumas vezes), desabotoava os botões e pousava a camisa sobre a cadeira da cabeceira da mesa.

Ia preparar seu prato, invariavelmente, a primeira camada de feijao, depois farinha ou farofa, depois arroz, depois a “graxa da carne”, como ele dizia e depois a carne por cima. Comia numa alegria de pedreiro. Muita comida, dificuldade na infancia, dizia ele e mais, não quero ver ninguem deixando um grao de comida no prato, tem que lamber. Foi assim que cresci.  O dia que coloquei mais farofa do que podia, comi aquela comida seca, sob a batuta do velho, que entre um paragrafo da Veja que lia, observava se eu iria desperdiçar.

Elegancia chegou ali e parou. Até ter mais de vinte anos, nunca ouvi meu pai falar um palavrão. Quando eu depois de adulto ouvi-o contando umas piadas que no meio tinha palavrões, não o reconheci. Flatulencias, em toda minha vida, nunca ouvi-o praticando tal ato.

Meu pai me deu o presente da vida, o presente do amor, o presente do abraço. Infelizmente, o presente da inteligencia, da humildade, da paciencia, da elegancia, da calma, da sabedoria, e de ser unanimidade, ele não conseguiu me passar.

Obrigado meu velho por tudo, o que tu conseguistes me ensinar e o que não deu pela minha cabeça fechada!!! Pelo seu riso sempre puro e inocente!!! Obrigado por ser amigo dos meus amigos!!! Obrigado por ter ajudado a me colocar no mundo!! Obrigado por ter me feito neto de Juvenal e Rachel, genios, que criaram o senhor e os irmaos de maneira que deveria constar nos livros sobre educação de todo o planeta!!!

Fabiano Holanda, Oakville, 3 de abril de 2015. 

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