Wednesday, September 21, 2016

Esquina que muda tudo – 5

Eu comecei contando como desisti da vida academica. Vou contar como fui parar tão longe pra descobrir isso. De repente, chega Miguel com uns folders e panfletos, de uma universidade no Canadá, chamada HEC (École des Hautes Études Commerciales), onde existia lá um sujeito chamado Allain Joly, que tinha feito doutorado com ele na Getúlio Vargas, em São Paulo e esse indivíduo estava chamando Miguel pra ir fazer o seu pós-doutorado por lá. Meu amigo Gustavo Zumel estava na sala comigo e eu disse: “Se fosse eu, ia na hora!!”. Zumel disse que iria também. Miguel então disse: “Usted tiene coraje miesmo?”. Nós reafirmamos e ele então disse que iria arranjar tudo e talvez até uma bolsa.

Zumel ficou tão empolgado quanto eu e saímos em busca das nossas famílias pra comunicar tal fato. Com os papeis em mãos, corri pra casa pra mostrar pro meu pai. O velho Jajá olhou, olhou novamente, passou a mão nos poucos cabelos, no sentido testa-nuca, olhou por sobre os óculos e largou a clássica pergunta: “Tu vai com que dinheiro mesmo?”

Pronto, era esse o meu maior medo: a falta de fundos. Eu enchi o peito e com a coragem única dos loucos varridos, dei um tapinha nas costas dele, que ainda segurava os papéis e me olhava de baixo pra cima, por entre os óculos e então eu disse, sem falhas e com a entonação de um canalha que está prestes a vender o Pão de Açúcar pra um turista: “Ora, com o único que sempre usei até hoje, o bom e infalível SEU!!!”

Eu não esperava, mas ele deu uma gargalhada, daquelas que só se dá quando alguém escuta uma coisa realmente engraçada. Depois dos 10 minutos rindo e segurando os órgãos internos com as duas mãos sob a barriga, ele perguntou se eu estava ficando esclerosado, pois devia ser sabedor da precária situação financeira que ele se encontrava naquele momento. Mas eu disse que a gente ia dar um jeito, apesar de não ter a mínima ideia qual era a forma ou a cor desse jeito.

O plano era primeiro dominar o idioma de Charles Aznavour e só depois, aplicar pro mestrado em si. Vi então um alívio no seu rosto. “Então você vai estudar francês aqui na Aliança Francesa antes de ir”, perguntou meu velho. Eu falei não, esse francês aí é diferente, temos que estudar francês na própria universidade onde vamos aplicar e por coincidência, essa faculdade fica também no Canadá. Ele disse que podia desistir da ideia, pois não tinha a mais remota condição disso acontecer, a não ser que eu o ajudasse a assaltar uma agência de banco. Fomos dormir, e eu fiquei bastante desapontado, mas entendia a sua situação.

Quando acordamos, ele tinha mudado de ideia e disse que uma oportunidade dessas não pode ser desperdiçada e assegurou-me que arranjaria a grana, de uma forma ou de outra. O que fez esse homem mudar de idéia nunca ficarei sabendo. Ele levou com ele. O meu trabalho seria fazer o levantamento de todos os custos da viagem, desde o chiclete que ia mascar no avião até o copo de água congelado que eu não ia conseguir tomar no Canadá.

Nesse aspecto, Zumel estava na minha frente. Tinha um Jeep Engesa bastante cobiçado pela nata jipeira do Rio Grande do Norte e o colocou à venda, recebendo boa grana pelo automóvel. Então saímos em busca do que precisávamos pra obter o visto, papeis, cartas, passaporte e valores de tudo. Chegamos perto do dia 22 de Dezembro com quase tudo arranjado. Foi aí que veio o problema: o visto. Somente o visto. Um adesivo ridículo, com sua foto e seus dados pessoais, colados no seu passaporte, que já possui seus dados pessoais, mas que sem ele, você é persona non-grata no país que você pretende ir, se este país não possuir acordo com o seu país de origem que dispense o visto.

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