O
apartamento que peguei era de Iêda, aquela que tinha nos ajudado
quase um ano antes. Ela estava indo morar em Verdun, em um
apartamento que Mario Morin e Lu, que é de Natal também, alugavam,
com dois quartos, uma espaçosa sala e uma espaçosa cozinha. Fiquei
nesse apartamento de André Boulais por dois anos, até 2002, quando
minha irmã resolveu ir pro Canadá e eu precisava de dois quartos.
Dali saí
pro meu primeiro dia no prédio do Ministério do Trabalho do Québec.
A estação mais perto da minha casa era Vendôme, linha laranja e ia
até Sauvé, quase no final do outro lado, da mesma linha laranja.
Deu tudo certo lá, o salário era 1600 dólares por mês,
trabalhando apenas 5 horas por dia. A fábrica era 800 dólares,
trabalhando 8 horas por dia, sem liberdade de ir nem no banheiro.
Pense numa evolução. Estava me sentindo rico. Pagava o aluguel,
morava só e ainda sobrava 1235 dólares pra comer e beber.
Pra
completar, Rosel tinha mais dois empregos. Um num edifício chamado
Chabanel e outro num banco da Caisse Populaire Desjardins, na mesma
rua onde morávamos. Um pagava 800 dólares por mês e outro pagava
400 dólares. Rosel me propôs dividir com ele esses dois prédios
também, mas só durou 2 meses e ele ficou sozinho de novo. Mas por 2
meses eu ganhei 2400 dólares por mês. Dava certo demais, pois o
mestrado ainda não havia começado.
Como nada
pode ser floreado, vamos à segunda grande merda em Montréal. A
primeira foi a dos filipinos. Celso passa no prédio num domingo e
chama pra tomar uma cerveja e jogar sinuca num lugar que ele gostava.
Vamos simbora Rosel? Ele disse vamos, ninguém ganha pra mim na
sinuca. E ninguém ganhou mesmo, o fela da puta é muito bom na
sinuca. Mas o fato não foi esse. Foram muitas partidas e muitas
cervejas. Contra todos que estavam lá. Eu com dinheiro, Rosel com
dinheiro e Celso com dinheiro. Foi uma farra.
Celso tinha
um Honda Civic Hatch preto, como eu já devo ter dito. Na hora da
saída, vimos Celso bêbado, como nós estavamos também. Dissemos a
ele que iríamos de metrô e dali ele fosse pra casa dele. Ele
insistiu em nos deixar em casa, foi quase uma briga. “Não,
moço, nós vamos de metrô”, dizia Rosel. Depois de tanta
insistencia, fomos com Celso. Ele pegou a Highway e lá fomos nós,
felizes nos 120km/h e tal. E Celso rindo e conversando. Eu vi que
havia chegado ao fim pois tinha um semáforo e os carros estavam
parados. E eu vendo que estávamos nos aproximando dos carros parados
e nada de Celso diminuir. Quando não tinha mais jeito, eu gritei,
“Fela da puta, os carros estão parados!!!”. Ele meteu os
pés no freio, travou os pneus, mas não teve jeito. O Honda entrou
todo, fiquei com os joelhos nos peitos. O casal da frente num
Chevrolet Cavalier saiu do carro sem saber o que estava acontecendo.
Destruiu os dois carros.
Não tardou
muito, chegou a polícia. Perguntou quem era o motorista, Celso se
identificou. Ele chamou Celso num canto e o outro policial veio nos
entrevistar. Perguntou se ele tinha bebido, eu disse que não tinha
visto. Perguntou o mesmo a Rosel e Rosel disse o mesmo. Perguntou se
nós tínhamos bebido, eu disse que sim e Rosel também, mas que isso
não tinha relevância porque estavamos de carona. Ele disse não
importa, andem aí nessa linha. A linha branca que tinha no meio da
estrada.
Eu andei bem
certinho, mas quando foi a vez de Rosel andar, parecia Charles
Chaplin, desequilibrado, quase caindo. Eu caí na gargalhada, o que
irritou profundamente o policial. Ele disse, “Tá vendo ali
aquele sinal? Vocês dois vão embora, peguem o metrô e vão pras
suas casas. O amigo de vocês vai ficar aqui, ele vai com o carro do
guincho”. E assim fizemos.