Pra
completar, nos dias que tinha pouco trabalho, eu não era escalado e
ficava em casa. Ligava pra Rosel, o bom baiano de Anajé e íamos
bater papo e circular pela cidade, batendo fotos e tomando uma
cerveja aqui e outra acolá. Numa dessas, ele perguntou como estava
na fábrica. Ele tinha trauma da fábrica, pois o local não tem
aquecimento e nem ar-condicionado e numa dessas coisas da vida, Rosel
um sujeito “delgado”, como os hispanos o chamavam, pegou uma
pneumonia e quase que ia dessa pra melhor.
Eu disse que
a fábrica era uma merda e pior ainda era o salário. Ele disse então
que iria falar com seu patrão, um outro peruano, chamado Luiz
Moralez. Este senhor, o Moralez, era um ex-policial fugido por
problemas com outros policiais corruptos, segundo ele. Pediu refúgio
no Canadá, colocou uma empresa terceirada de serviços e Rosel
arranjou emprego com ele. Ele pegava os contratos dele com um grego
chamado George. Luiz andava numa Hilux cabine única, toda fudida e
em umas vans mais fudidas ainda. O grego andava num Porshe e só
andava de jaqueta de couro. Luiz então prometeu a Rosel que iria ver
o que arranjava pra mim.
Nesse meio
tempo, eu gastava meus dias indo pra fábrica das 8 às 4 da tarde e
quando chegava, ainda ia juntar papelada pra dar entrada no processo
de aplicação do mestrado. Traduções, certificações, cartas de
recomendação, e todo o lereado. Foi um tempo pauleira. E pegue
cerveja. Não estava juntando quase nada. Gastando quase todo nesse
processo e nas bebedeiras. Ia morto pra fábrica no dia seguinte.
Foi então
que quase simultaneamente, dois fatos mudaram o curso do meu caminho.
Rosel ligou pra casa de Celso e deixou uma mensagem na secretária
eletrônica dizendo que um cara que trabalhava pra Luiz no prédio do
Ministério do Trabalho do Quebec estava saindo de férias, se eu
queria substituí-lo e conforme fosse, Luiz me daria um sub-contrato
ou coisa assim. Fiquei de dar a resposta à noite. Mas no meio do
expediente da fábrica, eu vinha distraído pra pegar uma pilha de
livros em uma mesa, quando um hispano grita e me empurra. Ato
contínuo, a guilhotina que era uma máquina desce. Não sei direito
o que eu ia perder, provavelmente os dedos todos ou as maos.
Fiquei em
estado de choque o resto do dia. Nesse dia, o árabe filho da puta
veio me pagar, rindo. Eu pensei esse viado tá rindo de que? Liguei
pra Rosel e deixei uma mensagem na secretária eletrônica dele.
Nunca mais coloquei os pés na fábrica. O ultimo pagamento o árabe
entregou pra Celso, que me passou depois. Nesse mesmo dia, puto da
vida, fui pra casa de metrô pois Celso havia saído mais cedo.
Chegando lá, já estava um frio grande, e eu estava com muita fome.
Vi a luz do quarto acesa. Toquei na campainha e nada de Celso abrir.
Depois de uns 15 minutos, ele sai dizendo que eu esperasse no metrô
pois ele estava com uma jovem lá dentro e que depois ele me chamava
lá. Esperei mais ou menos uma hora e decidi ali, vou me mudar.
No dia
seguinte já não fui pra fábrica confiando que ia dar certo com
Luiz Morales. Fui ate o prédio de Rosel, no Boulevard Decarie, 3433,
perto da Sherbrook. Lá encontrei com André Boulais, o proprietário
e ele me disse que o apartamento 01 estava vagando. Fechei o contrato
com ele ali mesmo. O aluguel, lembro até hoje, era 365 dólares
mensais, com energia e água inclusos. Eu pagaria por fora somente
telefone e lavanderia, essa com 4 moedas de 25 centavos, no basement
do prédio. A internet era gratuita com uma empresa terrível chamada
Net Zero, que fornecia internet gratuita mas que a todo momento
ficavam aparecendo telas de anúncios. Dentro do apartamento já
tinha uma TV de 14 polegadas, cama, sofá, cadeiras e material de
cozinha completo. Ah, e uma varanda que dava pra Decarie. O código
de entrada do apartamento era #1945, ano de nascimento de André.
Celso me ajudou a levar as coisas e ali tinha meu primeiro lar.
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