Wednesday, February 8, 2017

Primeira mudança – 18

Pra completar, nos dias que tinha pouco trabalho, eu não era escalado e ficava em casa. Ligava pra Rosel, o bom baiano de Anajé e íamos bater papo e circular pela cidade, batendo fotos e tomando uma cerveja aqui e outra acolá. Numa dessas, ele perguntou como estava na fábrica. Ele tinha trauma da fábrica, pois o local não tem aquecimento e nem ar-condicionado e numa dessas coisas da vida, Rosel um sujeito “delgado”, como os hispanos o chamavam, pegou uma pneumonia e quase que ia dessa pra melhor.

Eu disse que a fábrica era uma merda e pior ainda era o salário. Ele disse então que iria falar com seu patrão, um outro peruano, chamado Luiz Moralez. Este senhor, o Moralez, era um ex-policial fugido por problemas com outros policiais corruptos, segundo ele. Pediu refúgio no Canadá, colocou uma empresa terceirada de serviços e Rosel arranjou emprego com ele. Ele pegava os contratos dele com um grego chamado George. Luiz andava numa Hilux cabine única, toda fudida e em umas vans mais fudidas ainda. O grego andava num Porshe e só andava de jaqueta de couro. Luiz então prometeu a Rosel que iria ver o que arranjava pra mim.

Nesse meio tempo, eu gastava meus dias indo pra fábrica das 8 às 4 da tarde e quando chegava, ainda ia juntar papelada pra dar entrada no processo de aplicação do mestrado. Traduções, certificações, cartas de recomendação, e todo o lereado. Foi um tempo pauleira. E pegue cerveja. Não estava juntando quase nada. Gastando quase todo nesse processo e nas bebedeiras. Ia morto pra fábrica no dia seguinte.

Foi então que quase simultaneamente, dois fatos mudaram o curso do meu caminho. Rosel ligou pra casa de Celso e deixou uma mensagem na secretária eletrônica dizendo que um cara que trabalhava pra Luiz no prédio do Ministério do Trabalho do Quebec estava saindo de férias, se eu queria substituí-lo e conforme fosse, Luiz me daria um sub-contrato ou coisa assim. Fiquei de dar a resposta à noite. Mas no meio do expediente da fábrica, eu vinha distraído pra pegar uma pilha de livros em uma mesa, quando um hispano grita e me empurra. Ato contínuo, a guilhotina que era uma máquina desce. Não sei direito o que eu ia perder, provavelmente os dedos todos ou as maos.

Fiquei em estado de choque o resto do dia. Nesse dia, o árabe filho da puta veio me pagar, rindo. Eu pensei esse viado tá rindo de que? Liguei pra Rosel e deixei uma mensagem na secretária eletrônica dele. Nunca mais coloquei os pés na fábrica. O ultimo pagamento o árabe entregou pra Celso, que me passou depois. Nesse mesmo dia, puto da vida, fui pra casa de metrô pois Celso havia saído mais cedo. Chegando lá, já estava um frio grande, e eu estava com muita fome. Vi a luz do quarto acesa. Toquei na campainha e nada de Celso abrir. Depois de uns 15 minutos, ele sai dizendo que eu esperasse no metrô pois ele estava com uma jovem lá dentro e que depois ele me chamava lá. Esperei mais ou menos uma hora e decidi ali, vou me mudar.

No dia seguinte já não fui pra fábrica confiando que ia dar certo com Luiz Morales. Fui ate o prédio de Rosel, no Boulevard Decarie, 3433, perto da Sherbrook. Lá encontrei com André Boulais, o proprietário e ele me disse que o apartamento 01 estava vagando. Fechei o contrato com ele ali mesmo. O aluguel, lembro até hoje, era 365 dólares mensais, com energia e água inclusos. Eu pagaria por fora somente telefone e lavanderia, essa com 4 moedas de 25 centavos, no basement do prédio. A internet era gratuita com uma empresa terrível chamada Net Zero, que fornecia internet gratuita mas que a todo momento ficavam aparecendo telas de anúncios. Dentro do apartamento já tinha uma TV de 14 polegadas, cama, sofá, cadeiras e material de cozinha completo. Ah, e uma varanda que dava pra Decarie. O código de entrada do apartamento era #1945, ano de nascimento de André. Celso me ajudou a levar as coisas e ali tinha meu primeiro lar.

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