Então ele
me deixou na casa dele e rumou pra fábrica. Fiquei ali o dia inteiro
tentando dormir e sem conseguir direito. Era muita coisa que tinha
pra organizar até começar a relaxar meus ossos. Fui dar uma volta
nas ruas do bairro naquela tarde de setembro. Ficava pensando no meu
pai que não quis ir no aeroporto. Um sentimento de culpa de deixar
pra trás aquele que nunca havia me deixado. Mas era meu destino, eu
tinha que aceitar.
Fui pra
estação Rosemont, peguei um metrô e circulei sem ter pra onde ir.
Na volta, desci na estação Beaubien. Andei de volta, já era perto
das 17 horas. Celso chegou ao mesmo tempo que eu. E veio com uma
novidade. Era feriado do dia do trabalho e ele disse que iriamos
viajar com o time de futebol americano de Montréal, os Alouettes.
Ele havia ganho um sorteio no restaurante La Cage Aux Sports, que
dava direito à irmos para um jogo dos Alouettes contra os Tiger
Cats, de Hamilton, na província de Ontário. Iriamos no mesmo trem
que o time. E lá fomos nós no dia seguinte.
Rumamos pra
La Gare Centrale de Montréal muito cedo. Deixamos o carro lá e já
fomos tomando um vinho. Depois passamos pra cerveja e quando chegamos
em Hamilton, sete horas depois, ninguém sabia mais nem onde era o
céu e o chão. A música alta nos intervalos, tocando rock, e a
Budweiser rolando solta no estádio, me fez pensar que seria vida
mansa o tempo todo. Fui com a camisa da seleção brasileira e quando
o jogador principal dos Alouettes estava sendo entrevistado pela TV
após a vitória sobre o Tiger Cats, eu apareci no campo visual dele
e ele me chamou!! Acabei aparecendo também! Voltamos com o time, já
relaxados, vieram de um em um agradecer a cada passageiro pela
torcida e por terem perdido tempo de ir até lá. Isso é o Canadá.
Chegamos tarde da noite, rumamos pra casa, afinal, no outro dia,
começaria o trabalho na famigerada fábrica.
Acordamos
cedo para preparar o almoço pra levar pra fábrica. O sistema era
bruto. A fabrica se chamava Edicible, de uns judeus e não era
verdadeiramente uma fábrica. Era uma enorme gráfica, do tamanho de
um quarteirão. Basicamente, eles imprimiam livros, revistas,
panfletos e qualquer coisa que se colocasse em papel. E lá mesmo
cortavam, e montavam os livros e tudo o mais. Muitas máquinas
impressoras, muitas guilhotinas e muita separação.
Cheguei um
pouco antes das oito horas da manhã e Celso me levou pra falar com
um árabe. Vejam só, o dono da fábrica era judeu e quem arrumava a
força laboral era um árabe, que tinha uma agência de emprego. Um
exemplo como o dinheiro une esses povos tão raivosos uns dos outros.
Ele me disse que meu salário seria 5 dólares por hora, mas que
seria descontado a hora do almoço, assim, minha diária seria de
37.50 dólares, das 8 da manhã até as 4 da tarde. Fiz minhas
contas, daria 750 dólares por mês. Não era muito, mas naquela
época, dava pra se virar em Montréal com o básico.
Comecei o
trabalho separando panfletos em montes e colocando uma liga. Depois
fui montar umas caixas. Depois carregar uns livros. Fiz coisa pra
cacete e quando olhei no relógio da fábrica, ainda era 8:45. O
relógio parecia estar em slow motion. Finalmente deu 4 horas
e Celso me disse que iria ter que ficar de plantão. Pediu a um grupo
pra me deixar no metrô e fui pra casa. Não sabia se ria ou se
chorava. Quando peguei no sono, chega Celso e Lúcio, aquele peruano,
com uma caixa de cerveja. Puta que pariu, pensei, o rojão aqui é
pesado. Logo chegam dois caras novos do trabalho e começam a tocar
na guitarra de Celso e cantar, basicamente Red Hot Chili Peppers. E
fui trabalhar morto no outro dia.
Basicamente,
isso se repeteria pelas próximas três semanas. Quando chegava o
sábado e o domingo, sempre íamos pra casa de um brasileiro ou
recebíamos brasileiros na casa de Celso, e pegue mais cerveja. Pouco
dormia ou descansava. Emagreci horrores, com pena de gastar dinheiro
com comida.
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