Wednesday, March 1, 2017

Acabava 2000 – 20

Já estava frio e abrimos o gás, correndo, não sei porque. Cheguei lá em cima da ladeira morto, bufando, e vimos uma loja do KFC. Entramos e pedimos um combo do Super Croque, como se dizia no Québec. Ninguém parava de rir, bêbado é foda. Só fomos ter notícias de Celso no outro dia.

A rotina voltou ao normal, muito trabalho, recebi a grande notícia da aprovação do mestrado na prestigiosa HEC Montréal, chegou o Natal de 2000 e deu aquele banzo. Fui pra casa de Morin e Lu. Cana vai, cana vem, começamos uma discussão, eu e Rosel, sobre direita e esquerda. Ele falando sobre a esquerda, colocou o dedo na minha cara, em riste. Eu avisei: “Amigo, fale o que você quiser, mas não coloque o dedo na minha cara!”. Ele foi falando empolgado, e outra vez colocou o dedo na minha cara, gritando. Avisei de novo, amigo, fale mas não bote o dedo na minha cara. A terceira vez você vai se arrepender. Ele aprendeu ali naquele momento como as coisas funcionavam comigo. Ele colocou o dedo pela terceira vez na minha cara, e antes dele poder ter qualquer reação, eu dei uma mordida tão forte no dedo dele, que ele queria tirar o dedo da minha boca e não conseguia.

O sangue escorria e eu não soltava. Todo mundo entrou em pânico, querendo que eu soltasse, me empurrando, puxando e eu agarrado. Mas o engraçado foi que em vez dele ficar puto, teve um acesso de riso. Pulava de um lado pro outro, dizendo com o sotaque baiano, “Lá ele, o potiguar é pitbull, o potiguar é pitbull, qual o quê?”.

Voltamos a beber novamente quando fizeram um curativo, mas por precaução, pediram pra gente evitar o assunto política. Todos estavam assustados demais. Pegamos um ônibus pra casa, bebemos mais umas cervejas que tínhamos lá e fomos direto pro Chabanel pro trabalho. O frio era tão intenso naquele primeiro dia de 2001 que usávamos máscaras de ski para proteger o rosto, senão queimava. Era terrível, com neve acumulada da noite anterior que batia na canela. Do metrô pro prédio, eu pensei que fosse morrer. Fizemos o trabalho e só assim que voltamos pra casa pra dormir.

Logo no começo de janeiro começaram as aulas do mestrado. Se eu pensava que estava preparado, tive a certeza que não estava. O francês falado academicamente era muito mais puxado do que o falado nas ruas e nas escolas de idioma. Me vi doido. Nesse tempo, eu tinha somente o trabalho de Luiz, do Ministério do Trabalho do Québec, que começava as 5 da tarde e ia até umas 10 da noite, às vezes um pouco mais. Chegava de lá, ia estudar ou fazer algum trabalho (que toda semana tinha um pra cada matéria) até umas 2 ou 3 da madrugada, pra acordar cedo no outro dia pra começar as aulas às 9 da manhã. Mas ainda tinha onibus, metrô e parte à pé, então tinha que sair de casa no máximo as 8 da manhã.

No primeiro trimestre, fiz logo uma disciplina com Alain Joly e como Miguel Anez fazia pós doutorado, aproveitou e fez essa disciplina comigo. Era gestão comparada e estudava formas de gestão em diferentes países. A universidade era linda, desde a arquitetura até a biblioteca, passando pelas salas de aula, auditórios, lanchonete, corredores, escritórios dos professores. Tudo era incrível, um tempo de muita esperança e alegria, apesar de eu achar que aquele clube não era pra mim.

Acabou o trimestre de inverno, como eles chamam e o trimestre de verão era opcional. Como eu tinha que ter tempo pra dormir um pouco e tempo pra juntar o dinheiro da mensalidade, eu decidi voltar somente no trimestre de outono. Trabalhei em Luiz até o meio do ano, quando ele alegou que queriam minha permissão de trabalho e eu não tinha e tive que sair. Aproveitei pra ir no Brasil em agosto de 2001, pois meu pai estava com dinheiro da aposentadoria e resolveu me presentear com uma passagem.

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