A escola de francês da
Université de Montréal era muito legal. Tínhamos aula o dia
inteiro por 3 meses. Zumel ficou um nível acima do meu. Eu concluí
os níveis 1 e 2 em três meses e fiz grande amizades, principalmente
com os latino americanos, como não poderia deixar de ser. Idiomas
parecidos servem como válvulas de fuga do silêncio total. Se quer
dar fim a um tagarela, basta colocar o mesmo no Cazaquistão. Em três
dias ele se mata.
Teve um dia que fomos
sair com a galera do francês ainda no começo do curso, pra nos
conhecermos melhor, sugestão da professora, para podermos praticar o
pouco que sabíamos. A tarefa era usar o francês, mas foi uma salada
de idiomas, até árabe.
O encontro foi em uma
pizzaria na Côte-des-neiges chamada Pizzadelic. Bem, fomos
Dona Flor, eu e Zumel. Dona Flor era o apelido de uma nota de 20
dólares que estávamos dividindo. Pedimos duas doses de vodka, uma
seven up e duas fatias de pizza, uma pra cada um. Com as taxas, a
conta deu 19 dólares e pouco. Quando recebi o troco ficamos
boquiabertos. Resolvemos que o lugar de liso era em casa e assim foi
o resto do curso, praticamente. E o garçom, chateado, esperando a
gorjeta, que por lá é Pourboire.
O mexicano Manuel Ávila
e o colombiano César Gomez foram os que ficaram mais próximos,
ambos do mesmo nível que eu. Pessoas muito boas. Nas últimas duas
semanas, eu recebi uma grana extra do meu velho e pude sair mais de
casa. No começo eu só ficava em casa, comendo e vendo televisão
com os padres. Usando a Internet quando não tinha ninguém em casa e
resolvendo exercícios dos livros do curso de francês. Fazia,
apagava e fazia de novo. Fiz mais de 20 vezes cada. Quer que um cara
tenha disciplina nos estudos e fique fera? Deixe ele trancado, liso,
dentro de um quarto, sem nenhum eletrônico. Quando ele cansar de
dormir e de fazer o que se faz sozinho, ele não vai ter outra
alternativa senão estudar, até mesmo para passar a praga do tempo.
Manuel era um cara
supertranquilo, gostava de fumar uma maconha e ficava o tempo todo
rindo. Fotografo talentoso, era casado com uma canadense de Vancouver
e já moravam em um apartamento deles. Fui lá tomar várias Molson
Dry e praticar inglês com o casal. Escutavamos muita música e
ele me contava histórias de Carlos Santana. Sua esposa era uma
simpatia também, bebia cerveja com a gente e fazia tira-gostos.
Na casa de Manuel, em
Verdun, tomei meu primeiro grande porre em Montreal. Saí de lá
perto da hora do metrô fechar e não sei até hoje como consegui
fazer a baldeação da linha verde pra linha azul e sair da estação
e chegar na casa dos padres. Acordei no outro dia depois do almoço,
sem saber onde estava. Longe da minha casa eu já estava, mas perdido
sem me situar na casa dos outros, foi uma sensação estranha demais.
Como se fosse o perdido dos perdidos. Dois níveis de perdição.
Cesar tambem um cara
fantastico, colombiano com cidadania americana, falava inglês
fluente e trabalhava com computadores. Tinha um amigo com quem
dividia o apartamento chamado Alex. Fui na casa dele tomar uma
grande, depois fomos pro Winston Churchill, na Crescent e
voltamos pra terminar a cana por lá. Foi o segundo porre. Acordei lá
também sem nem saber onde estava. Ressaca braba, tomando Canadian
Whiskey. Os dois sabiam que o dólar americano valia mais do que
o real e eles tinham bastante, fui convidado da noite.
No dia seguinte, no café
da manhã por lá e Alex estava colocando ovo no prato. Cesar disse:
|Enough! Eu entendi que significava chega. Pedi pra ele escrever a
palavra num papel. É assim que se aprende.