Wednesday, January 25, 2017

Pequena pausa – 16

Casa de Celso, onde ele me deixou pra ir pra fábrica.
Se dependesse de mim, teria ficado direto naquele maravilhoso lugar. Vi o inverno pela primeira vez mostrar suas garras poderosas, mas vi também pela primeira vez a primavera. Ultimas semanas de março em Montréal era como uma respirada na superficie após passar cinco minutos sem respirar debaixo d'água. O sorriso nos rostos das pessoas, a felicidade no ar, gelo derretendo, parece que Montréal acorda quando chega março. A hibernação e os rostos fechados do inverno dão lugar à um clima maravilhoso, seis semanas depois da marmota mostrar sua cara.

Ter as estações do ano bem definidas dá a impressão de vivermos em 4 lugares diferentes sem sair do canto. Mas eu tinha que voltar ao Brasil, terminar umas disciplinas que eu vinha fazendo por e-mail, graças à boa vontade de alguns professores progressistas e por fim, tinha que concluir minha monografia e apresentar, para poder pegar meu diploma e voltar correndo pra Montréal pra poder aplicar pro mestrado. Tudo tinha que ser muito sincronizado. E foi. Mais ou menos.

Cheguei ao Brasil no aeroporto de Guarulhos e após essa temporada em Montréal, eu tive vontade de voltar do aeroporto mesmo. Só não o fiz pois precisava desse diploma. O calor insuportável, a má educação das pessoas, a má vontade dos atendentes das companhias aéreas, aquilo foi me dando um desespero, parecia um pesadelo. Naquele ponto, eu confirmei porque o Brasil é assim e o Canadá é do jeito dele. O povo e o calor. Essa foi a resposta daquele momento.

Retornei à UFRN, naquela época no setor 1, um calor infernal, mas um calor infernal mesmo. A comparação com a Universidade de Montréal não podia ser evitada. O uso de internet na Universidade em Montréal era franco e abundante. Na UFRN era restrito. Muito restrito. Minha sorte é que eu era bolsista do CNPQ da base de Miguel Anez e tinha um computador na nossa sala, mas o aluno normal, penava.

Eu estudava de manhã e de noite e saía de casa pra beber quase todo dia, querendo me despedir daquilo que foi a minha vida inteira. Fui muito ajudado por alguns professores, gravemente sacaneado por outros safados que se diziam apoiadores do nosso projeto, mas no fim, entre mortos e feridos, deu tudo certo, como sempre dá.

Tudo certo, monografia apresentada, diploma carimbado, inscrição no CRA feita, era hora de voltar ao Canadá. No dia 5 de setembro de 2000, olhei pro meu quarto pela última vez, naquela casa da avenida Brigadeiro Gomes Ribeiro, 1462, onde morei desde os 3 anos de idade até naquele momento com 24 anos e sabia que não iria mais voltar ali. Mesmo não tendo planos de ficar no Canadá, eu não pretendia mais morar naquela casa. Queria ganhar o mundo. Fazer um doutorado em outro lugar, quem sabe.

Meu pai, um homem que pouco expressava seus sentimentos, sabia disso. Meu amigo Flávio Teco foi me deixar no aeroporto, pois papai se recusou a ir. Acho que para ele ia ser demais me ver indo. Ele estava deitado na rede, fingindo dormir. Eu fui lá e falei: “Pai, estou indo”. Ele apenas acenou com a mão, disse “boa viagem, filho”, e se virou, cobrindo o rosto com o lençol.

E assim eu fui, respeitei aquele momento dele, e saí com o nó na garganta. Goose bumps, como se diz no Canadá. Dessa vez fui só. Zumel já estava lá. Combinei com Celso, ele foi me pegar no aeroporto, num Honda Civic coupé que ele tinha, preto. E já foi dizendo: “Já quer ir trabalhar na fábrica, paraíba? Vamos direto! Tá disposto?”. Eu disse que não queria, que tava morto, precisava descansar. Precisava na verdade colocar a cabeça em sintonia com aquilo tudo lá. Respirar um pouco. Eu sempre preciso de uns momentos pra alinhar os pneus e afinar o motor.

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