Na Foto acima, tirada por mim, uma loja da Zellers sendo reformada pra se transformar em Target, na Erin Mills Road, em Missisauga.
As
hordas de brasileiros que viajam aos Estados Unidos adoram adentrar
nas lojas da Target. Lá tem muita coisa interessante, não só para
os consumidores brasileiros, mas também para os habitantes da terra
do Uncle Sam.
A
Target é a segunda maior empresa do gênero nos Estados Unidos,
ficando atrás apenas do Wal-Mart, as lojas de Sam Walton. Sua sede é
em Minneapolis, no Estado de Minnesota. Foi fundada em 1902, seu nome
antes era Goodfellow Dry Goods. A primeira com o nome de Target foi
aberta em 1962. Hoje conta com 1801 lojas espalhadas pelos Estados
Unidos. É um gigante que fatura 70 bilhões de dólares por ano.
Por
outro lado existia uma grande empresa do mesmo setor no Canadá
chamada Zellers. A Zellers foi fundada em 1931, em Brampton, Ontário,
Canadá. Foi vendida pra Hudson Bay Company, em 1978. Nos anos 1990,
a Zellers chegou ao seu auge, com 350 lojas espalhadas pelo Canadá.
O Walmart, no Canadá, é tido como o principal culpado da derrocada
da Zellers, uma vez que esta não teve como competir com o gigante
americano.
Eis
que em 2011, a Target decide comprar a Zellers, que já havia sido
comprada por um investidor privado. A Zellers tinha 220 lojas nessa
época e a Target pagou 1 bilhão e 800 milhões de dólares pela
empresa, sublocando os prédios à própria Zellers, que só viria a
fechar as portas definitivamente em março de 2013, quando a Target
começou a operar no Canadá.
Desde
que cheguei no Canadá, tive o cartão da Zellers. Era como uma
espécie de entrada pra se ter crédito. Eles davam pequenos créditos
de 500 dólares, que ia aumentando caso o pagador fosse bom. Isso
abria o nome do cidadão no Bureau de Crédito. Os produtos deles
eram inferiores aos do Wal-Mart e os preços similares. O que a
salvou por algum tempo foi de fato essa oportunidade de crédito aos
menos favorecidos e imigrantes recém-chegados e o Wal-Mart sempre
foi péssimo de crédito no Canadá.
Em
apenas dois anos, no começo de 2015, a Target Canadá pediu
concordata e fechou todas as lojas que tinha no Canadá. Alguns
analistas dizem que entre 2011 e 2013, eles não tiveram tempo o
suficiente pra se adequarem ao mercado canadense. Outros analistas
dizem que o problema principal foi a questão da logística. Mas na
verdade, um problema não exclui o outro. Nao tiveram tempo de
preparar a logística.
Não
existia uma viva alma que acreditasse que a Target iria quebrar a
cara como quebrou. Mas aconteceu. O sistema de logística da Target
afundou a empresa, simplesmente porque não tinha os produtos nas
prateleiras do lado canadense da fronteira. E sem os produtos, como o
consumidor comprar? Hoje em dia, o consumidor não é mais aquele que
fazia fila na frente das lojas pra comprar um quilo de açúcar. Hoje
em dia, todos tem o açúcar e o consumidor não tem mais tempo pra
esperar.
Mas
como pode uma empresa experiente e bem-sucedida como a Target não
saber disso e eu saber? Lógico que ela sabia. O que não sabia é
que não teriam tempo pra se ajustar à uma realidade que não
conheciam, apesar de serem dois países vizinhos e de mentalidade
quase similar.
O
sistema de logística, ou o cerébro desse tipo de operações, é
quem diz o que tem na loja, o que pedir, o que vende mais, o que
vende menos, quantos dias antecipadamente pedir pra não faltar, e
tudo o mais. Outro dia fui numa banca em João Pessoa e observei um
vendedor da Sousa Cruz fazendo um pedido de cigarros, com seu tablet
na mao. Ele ia perguntando e o dono da banca ia dizendo: 6
hollywoods, 5 Carlton, 8 Minister e etc. O dono dessa banca é o
sistema de logística dele, simplisticamente falando. Se ele não
tiver lá, os cigarros vão faltar ou não chegar a tempo ou ficar
sobrando, empatando dinheiro à toa.
Agora
imagine isso pra uma cadeia com 127 lojas, com milhares de produtos
em cada uma. Sem um sistema desses de logística, como pode dar
certo? A logística é um fator chave de sucesso e derrota das
empresas nos dias de hoje. Quanto de estoque devo ter? Qual o estoque
mínimo? Está o consumidor disposto a esperar vários dias por um
mercadoria, caso eu não a tenha naquele momento? Esse equilíbrio é
essencial.
O fato
é que o sistema usado na Target nos Estados Unidos não funcionou no
Canadá, por questões de medidas, língua, moeda e outros
trique-triques. Não teriam tempo de fazer as adaptações
necessárias e decidiram optar por um usar um sistema que já vinha
dando problemas de implementação às empresas canadenses.
Começaram
do zero. Mas o sistema canadense, que na verdade é alemão, só
funcionava com muita informação sobre cada produto, o que levava
muito tempo pra preencher e tinha que ser feito manualmente. Se não
estivesse tudo completinho, o sistema não operava. Outro problema,
ninguém sabia operar o sistema de forma correta. Além disso, o
pessoal contratado pra preencher esses dados manualmente, não faziam
de forma precisa, o que gerou um problema ainda maior. Colocavam
qualquer coisa só pro programa aceitar e irem em frente, como dados
repetidos.
O que
aconteceu como resultado foi um caos total. O que aparentemente são
coisas simples de resolver, viraram o calcanhar de Aquiles. Alguns
exemplos. O produto vinha dos Estados Unidos em polegadas, o sistema
canadense é métrico. A conversão apressada ou a ausência delas
fez com que os produtos não coubesse nos caminhões, containers e
prateleiras da maneira como era calculado. O peso vinha de lá em
libras e o Canadá trabalha com quilos. Outro problema. As papeladas
de importações eram preenchidas com esses erros de medidas e peso e
os caminhoes e navios ficavam parados com a mercadoria dentro e
consumidor final esperando. Esses foram alguns exemplos mas vocês já
perceberam aonde quero chegar.
No
inverno de 2005, trabalhei no Warehouse da GAP, que envolvia as
operações da GAP, Old Navy e Banana Republic, todas da mesma
corporação. Lá eu pude ver um centro de logística por dentro, em
todas as suas fases. As roupas chegavam de um lado do galpão, vindas
dos fabricantes, geralmente de países de terceiro mundo asiáticos.
Os funcionários tinham que desembalar essas caixas, que vinham, por
exemplo, 50 camisas verdes, de gola em V, tamanho M, da GAP. Dali iam
pra um local onde outra equipe já tinha os pedidos das lojas
prontos. Loja 1 queria 3 camisas dessas, mas queria tantas amarelas,
tamanho P, outras vermelhas tamanho G e por ai vai. E queriam também
da Old Navy. E da Banana Republic.
Depois
essas novas caixas criadas com os pedidos das lojas iam pras
esteiras, que já iam pros pallets, que iam pros caminhoes que iam
levar pra determinadas regiões. Ficavam uns 8 caminhões com as
portas de trás abertas, um frio infernal, e os caboclos enchendo. E
se não tiver o funcionário treinado pra operar o software em cada
etapa? E cuidar para que fisicamente aquelas caixas estejam em
determinado pallet, que cada caixa esteja com as peças corretas? O
negócio para mesmo. E parando, ficam os caminhões lá fora,
recebendo hora extra, podendo até perder o navio que vai mandar pra
outro lugar. Tudo tem que trablhar correto.
Uma
empresa, não importa o tamanho dela, não pode deixar o consumidor
sem o produto à sua disposição. Sem o produto, o vendedor não
pode fazer milagre e muito menos fabricá-lo ali na hora. Seja
fabricante, seja revendedor, o produto tem que estar ali, brilhando,
lindo e maravilhoso, pra essa criança mimada que não pode esperar
chamado consumidor.
Se
abrir as portas pra um determinado mercado, abra com produtos à
disposição, caso contrário, essas portas serão fechadas antes
mesmo de você saber o porque. Lembro sempre que a lanchonete
Pittsburg, em Natal, sempre tinha o que se pedia, enquanto que o
Sandunas, sempre faltava algum ingrediente. Quem é de Natal sabe o
destino das duas empresas. Hoje em dia, pra piorar, o boca-a-boca não
é só de um pra outro, nas rodas de amigos, é online e nas redes
sociais.
Fabiano
Holanda, João Pessoa, 10 de Fevereiro de 2016.